Carta ao meu eu passado

Por Rubinho Vitti | 30/11/2020 | Tempo de leitura: 3 min

São dez para as 4 da tarde e sol o está se pondo em uma ilha distante do Hemisfério Norte. Distante também estão os anos. Aqui já passamos da segunda quinzena de novembro de 2020, duas décadas à frente de você, meu caro, que me lê neste longínquo ano 2000.

Se eu contar como estamos agora, você não vai acreditar em mim. Se eu contasse ao nosso eu lá no ano passado nem ele acreditaria. Mas vamos deixar isso para lá por enquanto.

Eu me lembro de você aí, nestes seus 15 aninhos. Borocoxô, cheio de dúvidas, receios e espinhas. Não gostava muito de escola, não tinha muitos amigos, não esperava nada e ninguém esperava nada de você. “Eu tenho a vida pela frente”, lembro de você pensando.

Mas sabe, escrevo para te contar. Esses vinte anos passaram voando. Uma pessoa que nasceu aí, neste 2000, veja só, já tem 20 anos. Já articula, se comunica e beija na boca.

Lembro de você deixando de comer no recreio da escola para gastar tudo com CDs dos seus músicos favoritos. Má notícia: ninguém mais ouve CD. Hoje a gente anda com toda a discografia do artista dentro de um aparelhinho quadrado chamado smartphone. E pensar que logo, logo você vai pedir um celular Tess Express de aniversário e vai achar sensacional aquele joguinho da cobrinha. Tsc, tsc.

Falando em tecnologia, lembra o que seu pai falou sobre frequentar as aulas de informática? Pois é, continue. É chato, eu sei, mas todos os seus amiguinhos que seguiram nessa área estão bem ricos hoje em dia. Jornalismo? Esquece, cara. Eu sei que você gosta de escrever, mas é só comprar um diário.

Ah, não esqueça do curso de inglês. Tá, nessa idade você ainda odeia os Estados Unidos por ser um país imperialista, veste camiseta do Chê Guevara e não pode nem ver música americana. E ano que vem vai comemorar o 11 de setembro que eu sei. Shame on you!

Mate as aulas de crisma da igreja -- confie em mim, no futuro você será agnóstico -- e vá estudar inglês. Eu estou te falando, você ainda vai gostar muito de Beatles, Stones, Bowie e vai descobrir que inglês é bem legal de aprender, além de ser o “esperanto que deu certo”.

Aproveite e faça um curso de Excel também! Esse programa ignorado do pacote Office vai ser essencial para o seu currículo no futuro.

Agora se você quer mesmo se tornar alguém importante mesmo, ganhar dinheiro e ficar famoso, eu te digo uma coisa: vá treinando na frente do espelho. Estenda a mão para o alto como se estivesse segurando uma câmera do tamanho da palma da sua mão. Converse com você mesmo como se estivesse falando para um grande público. Fale com confiança, sorriso no rosto e tendo certeza do que está dizendo.

No futuro, se você for bom nisso, não importa sobre o que você fale, você terá sucesso. Vá tomando Roacutan, aquele remédio para acabar com suas espinhas (e seu fígado, mas tudo bem, o álcool já vai fazer isso mesmo) e faça academia. Malhe muito. Com a pele lisinha e gominhos no abdômen você terá mais chance de ter milhões de “followers” (você ainda é muito jovem para saber o que é isso, mas vai descobrir no futuro).

Resumindo: TI, inglês, mãozinha pra cima na frente do espelho, sorrisão, Roacutan e academia. Acho que é isso.

Vai ter algumas coisas chatas no caminho, você vai sofrer bullying, seu vizinho vai tirar você do armário e espalhar para o seu colégio, você vai se apaixonar várias vezes, decepcionar pra caramba, sofrer relacionamento abusivo… mas é too much para uma carta só.

Ah, só para dizer que não falei: vá estocando uma máscaras (aquelas de hospital mesmo).

A gente vai se falando. Um beijo!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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