O desconhecido

Por José Faganello | 10/11/2020 | Tempo de leitura: 3 min

“Respeitar em cada homem, senão aquele que é, pelo menos, aquele que poderia ser” (Henri Amiel)

Achegou-se com certo desembaraço. Boa tarde, amigo, poderia permitir a gentileza de tomarmos uma cerveja juntos?

Não aparentava ser bandido, alguém perigoso. A tarde quente, o bar próximo, foram fatores decisivos. Aceitou.

Colocou a cerveja em ambos os copos com extremo carinho. Ergueu um brinde: à sua paciência!

Desfilou então sua história surpreendente.

Estou com 36 anos. Minha infância teria sido normal não fossem duas tragédias. Com sete anos de idade meu pai adoeceu gravemente. Os médicos não conseguiam diagnosticar o mal que o levou. Pouco depois, num destes cruéis azares do destino, o botijão de gás explodiu, incendiando nossa casa. Meu pai, muito religioso, costumava ler a Bíblia e para incutir-nos seus princípios, falava-nos do Juízo Final e das chamas da vingança divina. A cena do incêndio da minha casa juntamente com as passagens bíblicas transmitidas por meu pai, jamais esquecerei. Minha mãe, excelente costureira, com seu trabalho, conseguiu educar-me. Tive sorte, frequentei boas escolas. Fiz um bom casamento e assumi a gerência de uma grande loja de departamentos. O trabalho era árduo, tomava muito do meu tempo. Ficava muito além do horário e chegava em casa, sempre muito cansado. Minha esposa não se conformava com minha ausência.

Reclamou muito no início e por fim abandonou-me. O plano Cruzado quebrou a firma em que eu trabalhava. Sem emprego, fui procurado por um ex-executivo de uma multinacional da qual tinha sido cliente e tido com ele contatos superficiais. Ofereceu-me sociedade em uma fábrica sua. Entraria apenas com meu serviço. Com os lucros posteriores pagaria parceladamente, minha parte, 50%. Explicou-me que estava enrolado com outro empreendimento seu prestes a falir. Por esse motivo faria comigo um contrato de gaveta. No oficial, ele, até solucionar seus problemas todos, ficaria de fora. Seu nome na sociedade impediria créditos bancários. Oficialmente fiquei com 98% das ações e o porteiro da fábrica com 2%. Ele passou a administrar as finanças e a mim cabia dirigir a produção e as vendas. Antes de assinar o contrato verifiquei a situação financeira da firma. Recém-instalada, não possuía débitos fiscais, nem trabalhistas e muito menos bancários. Embora achando que a esmola era demais, desempregado acabei aceitando o negócio. Devo acrescentar que estava com carro seu carro importado e o duplex que morava ajudou minha decisão.. O idílio durou oito meses. Alegando que ia consultar um médico em São Paulo, sumiu sem deixar rastros; antes descontou duplicatas frias, adquiriu mercadorias que não chegaram na nossa firma e deixou de pagar impostos. Afirma estava completamente quebrada.

Estou devendo vários processos; por sorte, decepcionado do primeiro casamento, não me casei novamente e não tenho filhos.

Você provavelmente está surpreso comigo; a troco de que esse desconhecido está fazendo todas essas confidência.

É simples, sempre tive uma vida confortável e vivi rodeado de amigos..,Minha casa eram frequentes como um consulado: Churrascos, cervejadas, jogos de futebol eram frequentes.

Foi só eu cair na desgraça que eles sumiram. Nenhum me procurou ou retribuiu o que tinham recebido.

Estou agora como uma nau sem rumo, sem família, sem emprego, dinheiro e amigos.
Parei você porque me pareceu uma pessoa confiável e pacienciosa. Precisava falar com alguém, tomar uma cerveja. Por falar nisso, podemos tomar mais uma?

Claro.

Continuamos a conversa dez minutos mais..Educadamente despediu-se com dois pedidos: preciso de dois favores seu, pagar as duas cervejas e dar 15 reais para a passagem do ônibus, estou sem dinheiro.

Dei-lhe cinquenta.

Se foi um golpe, sua história valia mais, é difícil arrumar um assunto parecido.

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