Nossas noites

Por José Faganello | 19/08/2020 | Tempo de leitura: 3 min

Os filhos acham contrário à natureza não que os pais morram, mas que os pais vivam…” ( Contardo Caligaris).

Sou assinante da Folha de São Paulo. Tenho o costume, de todas as manhas, de ler de cabo a rabo e de fazer suas palavras cruzadas.

Um dos meus articulistas predileto é o Contardo Galigaris.

Acredito que ele não irá me cobrar direitos autorais, por colocar em minha coluna semanal trechos de seu artigo postado em 20 de abril passado – “Nossas Noites”.

Inicia escrevendo: “Imagine que você tenha 60 – 70 anos – ou mais. Você está sozinho ou sozinha. As crianças, se você teve filhos ou filhas, estão longe com suas vidas feitas. Seu companheiro ou companheira ( de uma vida toda ou dos últimos tempos) foi-se. Você sobrou viúvo, separado, tanto faz.

Você está bem de saúde – apenas envelhecendo. A aposentadoria é suficiente, paga o supermercado a cada semana e, de vez em quando um restaurante, cinema, um teatro.

Há dias que você na fala com ninguém. Às vezes, semanas (…).

Um dia, alguém toca a companhia de sua porta. É uma vizinha que você conhece de vista e de vocês se cumprimentarem de longe (…).Quero fazer uma sugestão para você, ela diz: “O que você acharia de ir à minha casa de vez em quando para dormir comigo”?

O que? Como assim?

“É que estamos sozinhos. Já há muito tempo. Eu me sinto sozinha. E acho que é possível que você também se sinta. Então fiquei pensando se você gostaria de ir à minha casa à noite e dormir comigo. E conversar”.

Ela não está falando de sexo, mas de uma companhia: falar cada um de si, ‘porque as noites são a pior parte, você não acha?”

Caligaris tirou essa introdução da história de Andic e Louis, que é contada em “Nossas Noites”, o último romance de Kant Maruf, portanto estou terceirizando.

A maior parte dos idosos sofre de insônia. Ao acordar de madrugada não conseguem dormir de novo e, esperar o raiar do Sol é muito melhor com uma companhia ao nosso lado.

“Nossas Noites” é uma história de resistência à morte e ao tempo que passa, pela descoberta que ainda é possível encontrar amizade e amor.

Hoje, 80% dos adultos entre 50 e 90 anos, são amorosos e sexualmente ativos.

Caligaris comenta: “só não sei se os jovens aguentam isso. Os filhos sempre acham escandalosos os prazeres dos pais idosos”.

E, contrariamente ao que reza a lenda, eles aguentam bem a morte dos pais, que é natural. “O que eles acham contrário à natureza não é a morte dos pais, mas que os pais vivam”.

A qualquer envolvimento de um idoso (a), com alguém mais novo, espalham fuxicos como: “Está dando o golpe do baú, está passando atestado de corno”.

Mesmo que isso, muitas vezes, seja verdade, se a companhia traga felicidade é justo que seja desfrutada.

Achei por bem repassar aos que não são leitores da Folha, porque traz uma mensagem aos idosos que estão sofrendo essa situação, por não ter coragem de enfrentá-la.

Quanto aos filhos e idosos devo fazer uma resalva: Há filhos e filhos, idosos e idosos, não podemos nuca generalizar. No entanto, o preconceito para com idosos que buscam ter uma companhia para seu fim de vida é muito abrangente e Einstein nos alertou: “ Época triste é a nossa em que é mais difícil quebrar um preconceito do que um átomo!”

No entanto, será difícil algum idoso arriscar seguir o conselho de ir convidar uma idosa para dormir com ele, pelo medo do coronavirus que nos impede até aperto de mão.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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