E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José? »
Carlos Drummond de Andrade
Já se passaram 120 anos. O tempo, como dizia o dramaturgo grego, Eurípedes, «não se ocupa em realizar as nossas esperanças: apenas faz o seu trabalho e voa». Há apenas 100 anos, o JP se ajeitava como podia no novo prédio da Rua Moraes Barros, em meio a reformas e introdução de novas tecnologias, uma papelaria e uma livraria. Naquele remoto ano de 1920, o mundo saía da pandemia da gripe espanhola. A fase ruim havia passado: a pandemia de gripe, a primeira guerra mundial… Porém, mal sabiam seus proprietários à época: João Franco de Oliveira, Pedro Kränbuhl, Pedro Crem Filho e José de Mello Moraes, que aqueles bons ventos benfazejos também iriam embora.
Viria uma crise financeira sem precedentes (a de 1929), viria a segunda guerra mundial (em 1939) e muitas outras crises e fases ruins que balançariam este jornal criado em 1900. Mal sabiam eles que muito tempo depois o próprio papel onde se imprimiam as letras de chumbo quente já estaria condenado à extinção. Estamos em um momento em que o caminho se bifurca, não em duas vias, mas em várias. Difícil será escolher o melhor caminho, pois não há caminhos certos ou errados, há apenas alternativas possíveis.
Mas aqui, como em vários momentos devemos ouvir a lição do gato de Cheshire, que ao abordar Alice (aquela do País das Maravilhas) lhe perguntou para onde queria ir? E Alice, num ímpeto, respondeu que não sabia. Ao que o gato lhe retrucou: «então qualquer caminho lhe serve». Antes de escolher por onde ir, é preciso saber onde se quer chegar. O propósito do caminho é a chave da decisão. E o sentido de existência de um jornal se descobre olhando para trás: é no vislumbre do passado que buscamos nosso propósito imorredouro. E foi no editorial dos 20 anos de fundação desta folha que encontramos um propósito:
«Quando circulou o primeiro número desta folha, procurando realizar um empreendimento, tantas vezes tentado quantas sufocado pelas insuficiências do meio ainda não em condições de manter uma publicação diária, poucos foram os que não duvidaram do êxito almejado pela iniciativa corajosa e tenaz de Buarque de Macedo. Vencendo dificuldades, arrastando óbices imensos, foi, porém, vivendo o diário com tanto carinho e proteção e proteção, fora acolhido pelo público.» (autoria Pedro Crem Filho). Nosso propósito foi e sempre será nosso público leitor. Tivemos e teremos muitos detratores. A nossa labuta nos últimos quatro anos não foi sem sacrifício. Cada ano de vida era uma sobrevivência: a crise econômica brasileira sem precedentes; a disrupção criada pela internet nos hábitos de leitura e nos meios publicitários; e agora, a pandemia do coronavírus, que nos obrigou a maximizar a proteção pela vida em detrimento ao nosso próprio meio de sobrevivência.
Há três anos não sabíamos se chegaríamos aos 120 anos. Cada mês era vivido como uma batalha. Uma batalha cujo objetivo não era derrotar oponentes, mas tão somente sobreviver. Aquela pequena chama acesa em 1900 por Buarque de Macedo, Alberto da Cunha Horta e Antônio Pinto de Almeida Ferraz não poderia se apagar. E quando tudo parecia escuro e frio, lembrávamos desse poema de Carlos Drummond de Andrade:
« Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José! »
Todos, em certa medida, somos esse José do poema. A luta pela vida está na essência de todos, talvez, seja um atributo biológico ou um impulso do instinto primitivo que em algum momento nos convoca. Entre nós piracicabanos, o Dr. Carlos Joussef, Presidente da Unimed, talvez seja o nosso melhor exemplo do embate pela vida. E aqui estamos, face a face com a incerteza e com o medo. Não é um cenário para festas. Mesmo quando chegamos aos 120 anos. É um momento para reflexão.
A passagem de nosso aniversário me lembrou uma fábula do poeta persa Farid U-Din Att?r (1145-1220) muito apropriada ao nosso tempo. Nesse belo poema, os pássaros de todo mundo decidiram procurar quem era seu rei, o maior de todos. O mais sábio lhes disse que seria o legendário Simorgh, mas para encontrá-lo precisariam voar por sete vales.
Muitos foram à sua procura, muitos desistiram pelo caminho. Trinta ou quarenta deles conseguiram vencer todas as dificuldades e chegar na montanha onde habitava o Simorgh. Quando o encontraram e ele retirou o véu da face, os pássaros viram que todos eles eram o Simorgh e este era cada um deles.
As crises que enfrentamos só reafirmam essa antiga fábula persa: cada leitor são todos os leitores e o mesmo leitor. Somos parte desse todo indissociável e ao mesmo tempo, somos cada indivíduo. A hora é de honrar o passado, lembrar nosso propósito primordial, e seguir em frente. Obrigado a todos os leitores por nos possibilitar chegar aos 120 anos.