Sair da epidemia sem amar controles de comportamento

Por Luiz Xavier | 30/04/2020 | Tempo de leitura: 3 min

Achei interessante e oportuna esta reflexão que o filósofo Luiz Felipe Pondé fez numa conversa com jornalistas da CNN, onde ele analisou as mudanças nas relações sociais e familiares em meio à pandemia do coronavírus. Alguns trechos desta conversa:

"A humanidade já passou por 'n' epidemias. Não uma que viajasse de companhia aérea tão rápido pelo mundo inteiro, mas a nossa civilização é a menos preparada para lidar com a epidemia. Não do ponto de vista tecnológico, mas para lidar com a incerteza".

"A ansiedade relacionada à incerteza é muito forte na nossa época antes da epidemia, pois não estamos acostumados. O aumento da ansiedade parece uma decorrência natural e saudável. A gente é cada vez mais ansioso porque tem sucesso em controlar as coisas. Muita gente vai lidar com isso tomando remédio, ansiolítico, que derruba o desejo pela vida".

“A epidemia é um momento de grave crise de sentido, a gente tenta colocar coisas no lugar e fica desorientado. Essa desorientação chega da falta de certeza, da insegurança. A gente está saturado em dados, que não sabemos lidar."

"A gente não sabe como o vírus mata direito, qual o processo. O vírus não quer dizer nada, é uma besta-fera, é a contingência pura, ele é cego, não sabe o que destrói. Todos são iguais perante o vírus, talvez nenhuma democracia consiga atingir o grau de igualdade do vírus".

Politização da epidemia. “Uma parte dos políticos tira proveito da situação para crescer junto aos eleitores e uma outra parte tumultua o processo: a gente sofre de um problema a mais, um crescente ceticismo em relação à gestão pública em geral".

“É importante manter a democracia e os direitos adquiridos, sem se deixar seduzir por atitudes autoritaristas. Que a gente saia dessa epidemia, seja lá quando for, sem amar sistemas de controle de comportamento. Não quero que as pessoas comecem a pedir controle de comportamento. Temo que aconteça como herança uma certa simpatia por mecanismos de controle para diminuir o risco".

“Apesar de se sentir mais frágil, a humanidade deve se reerguer sem essa muleta. Não peça para ser controlado, para ter um grande pai ou mãe que vai te dizer o que fazer. Na hora que você se seduz por essa forma, a possibilidade de você entrar em desespero é maior".

Efeitos da quarentena no matrimônio. "Na China, no fim da quarentena, houve mais divórcios. Aqui também (vai haver). As pessoas vão descobrindo que os relacionamentos são mantidos pelas horas que a gente não está junto. O relacionamento saudável é mantido inclusive pelas ausências".

"Em momentos de perda de patrimônio, do casamento, filhos, pais, pessoas amadas em geral, grana, as pessoas passam por conversões religiosas. Nesses momentos as pessoas se convertem, vão para religiões que não tinham ou voltam a praticar as de origem. Há um vínculo direto entre o sentimento de perda e a busca religiosa”.

“E o que esperar quando a vida voltar ao normal? Eu acho que o mundo imediatamente pós-pandemia vai ser mais difícil do que era. Mas, momentos de grandes sofrimentos são momentos de virtudes raras".

“As relações interpessoais não deverão ser substituídas pelo mundo remoto, como somos obrigados a viver hoje. O remoto é ótimo e será muito melhor usado. Mas a vida é presencial, se passa onde você possa dar um beijo em uma pessoa de fato. Nós somos uma espécie de toque. Quando acabar essa proibição, é possível que a gente se abrace mais, se beije mais, mas vai passar rápido".

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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