Com a pandemia mundial da covid-19 e a grande quantidade de vítimas fatais, como lidar com a dor do luto de um ente querido sem despedida? Com o isolamento social visando à redução do contagio do coronavírus, amigos e familiares estão impossibilitados da oportunidade da despedida. E para quem tem a oportunidade, ela se restringe ao caixão lacrado.
O ritual do velório é importante, pois representa a despedida, promove a compreensão de que realmente uma pessoa faleceu, e não estará mais entre nós. Portanto, não viver esse momento pode intensificar o processo da dor experiênciada pelo luto, inclusive, estender esse luto, deixando marcas psíquicas não elaboradas.
Para nosso psiquismo, na nossa existência é muito complicado admitir que os indivíduos que amamos, e inclusive nós mesmos, vai morrer em algum momento. Para a própria psicanálise a morte é considerada uma experiência muito difícil, no limite do inaceitável, e por mais que saibamos que todo nós passaremos por isso em algum momento de nossa existência, sabemos disso para os demais indivíduos, negando para nós mesmos.
Ao longo da existência, pesquisas na área da psicanálise apontam que os quadros de depressão mais difíceis de ser superado, decorrerem do luto mal elaborado, interrompido ou não reconhecido, pois viver o luto em sua intensidade é viver o processo de ressignificação da dor. E esse luto somente finalizará, quando for possível sentir saudade da pessoa que se foi, lembrar dessa pessoa como parte integrante da nossa experiência humana de existência.
Então, quando os seres humanos têm como representação de família um corpo que não é velado, uma despedida que não é vivida, estimula-se um espaço psíquico onde é introduzido um plano traumático, devido a essa privação. Não viver a experiência para a concretude dessa despedida é muito traumático. O processo é tão necessário que os serviços funerários preparam o corpo de forma que pareçam em paz. Isso promove o conforto nos familiares. Porém sem esse ritual se altera, além do cotidiano, tudo aquilo que estruturamos como necessário para facilitar a aceitação da morte.
As catástrofes, por exemplo, são definidas pela perda coletiva, onde não é possível contabilizar os mortos, os enterrando ou cremando sem identificá-los, estimulando nos sobreviventes a péssima sensação da impossibilidade de distinguir e valorizar cada vida, que é única e insubstituível.
Essa terrível experiência faz com que a população entre em contato com a repercussão do impacto da escolha em não cumprir com as orientações de isolamento social e de ficar em casa, ou ainda promover os demais cuidados para os que precisam sair, pois as escolhas sem responsabilidade, em momento de pandemia, podem significar a morte para alguém entre os próprios parentes.
É comum dentre os relatos de indivíduos que não puderam se despedir da forma adequada de seus entes amados, uma sensação de impotência, na qual não tiveram direito algum de escolha, somente conformar-se com a situação, suportar a dor e seguir em frente. A impossibilidade de velar, antes de enterrar os mortos, tem sido a realidade de muitos países devido à pandemia da covid-19, situação esta já vivenciada em outros momentos da nossa história. Vivemos um momento de tantas perdas e isso deve manifestar na população uma reflexão sobre as medidas de segurança de orientações governamentais a serem respeitadas com um senso de responsabilidade individual e coletiva, podendo dessa maneira se preservar e preservar os demais também.