Estratégias regulatórias de combate ao COVID-19*

Por Érica Gorga | 29/03/2020 | Tempo de leitura: 3 min

O mundo debate as estratégias para lidar com a pandemia do coronavírus. Países ricos, como a Alemanha, os Estados Unidos e até a Inglaterra acabaram adotando o isolamento horizontal, isto é, a paralisação do trabalho em estabelecimentos comerciais, excetuando-se os considerados “serviços essenciais”.

Governadores e prefeitos brasileiros logo seguiram a estratégia dominante e decretaram o fechamento do comércio e serviços não essenciais, restringindo até transporte público em algumas cidades. Tais decisões foram desacompanhadas de quaisquer estudos que avaliem o impacto econômico a médio prazo no país.

Ocorre que a curva de transmissão do COVID-19, recentemente divulgada pelo Ministro da Saúde, prevê que o contágio se acelerará durante os meses de abril, maio e junho, com o platô começando a cair só em agosto e com queda mais acentuada em setembro. Nesse contexto, muitas autoridades parecem defender a paralisação de tudo até lá.

Todavia autoridades e médicos precisam, urgentemente, reconhecer as condições de vida da maioria dos brasileiros, que dependem do trabalho diário para sua sobrevivência. O IBGE contabiliza 40 milhões de trabalhadores informais no país. Em estimativa conservadora, se cada um for responsável pelo sustento de mais um membro da família, tem-se 80 milhões de brasileiros sem perspectiva de renda. Entre eles, doceiras, pipoqueiros, vendedores ambulantes, manicures, etc. O governo federal propõe o pagamento de pouco mais de meio salário mínimo mensal para famílias inteiras viverem isoladas, o que significa, na realidade, que passarão fome no ostracismo, acumulando contas para pagar. Sem falar dos atuais 12 milhões de desempregados e os novos milhões que a eles já se somam, ainda não contabilizados. Com alto risco de o dinheiro não chegar a tempo.

É urgente admitir a incapacidade financeira – e histórica – do Estado brasileiro de alimentar os necessitados se a paralisação forçada persistir por meses a fio, afetando porcentagem que, certamente, ultrapassará com folga mais da metade da população.

Em artigo no Estado de S. Paulo de 23/3, Zeina Latif criticou o fechamento de todas as escolas de ensino fundamental em comunidades carentes, que não levou em conta a situação dramática de crianças confinadas em favelas sem saneamento básico, sem ventilação, sem comida em casa e sem merenda - e até expostas a possível aumento da violência doméstica. Atente-se para o exemplo da Inglaterra, que, apesar de fechar escolas, autorizou atendimento escolar especial a filhos de colaboradores críticos que precisam trabalhar. Também aqui a solução deveria ser mista, permitindo o seu funcionamento quando necessário.

É compreensível que autoridades tentem ganhar tempo para providenciar os leitos e equipamentos necessários para salvar vidas, mas, é falacioso alegar que a paralisação até meados de abril resolverá o problema.

Trump disse que quer reabrir a maior parte da economia dos Estados Unidos antes da Páscoa, pois sabe que nem o pacote proposto de 2 trilhões de dólares sustentaria a paralisação por vários meses. No Brasil, com renda per capita tremendamente inferior à americana, o confinamento da população por meses mostra-se inviável, pois haverá crescimento real do número de mortes decorrentes da rápida subnutrição e perda de imunidade, resultando em probabilidade maior de contaminação por COVID-19.

*Trecho de artigo originalmente publicado no jornal O Estado de São Paulo, em 28/03/2020.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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