O pronunciamento do presidente da República, Jair Bolsonaro, em rede nacional, na noite do último dia 24, será lembrado como um dos capítulos mais tristes da história do Brasil. E não há nenhum motivo para acreditar novos capítulos, ainda piores, estejam sendo urdidos pelo projeto de poder que ele representa.
Em síntese, Bolsonaro voltou a atacar a imprensa brasileira, acusando-a de difundir, deliberadamente, o pânico entre os cidadãos. Negou evidências científicas, trivializando os riscos à vida e à saúde da população decorrentes da pandemia do novo coronavírus, dizendo que é uma doença que só afeta idosos e doentes. Jactou-se de gozar de boa saúde, referindo-se a si próprio como atleta. Fez, por fim, referência irônica ao médico Dráuzio Varela, que, nesta semana, foi vítima da estratégia de desinformação que sustenta a sua necropolítica, com a divulgação de um vídeo antigo gravado sobre a Covid-19 antes da decretação da pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Por fim, criticou os estados que decretaram quarentena, exortando que sejam suspensas todas as restrições à circulação de pessoas. Tudo, absolutamente tudo, contra o que preconizam os consensos médicos, contra a postura de outras nações e, ainda, contra o direito à vida, consagrado constitucionalmente, e que ele jurou defender ao tomar posse.
A ocasião exige uma reflexão profunda sobre o papel de um líder em tempos de crise. Recentemente, a primeira-ministra alemã, Angela Merkel, fez um discurso incisivo sobre essa pandemia, descrevendo, com clareza, o tamanho do desafio que ela apresenta, as ações que o governo alemão adotará e - o principal - o compromisso do Estado com decisões transparentes e justificadas pela ciência. Adiantou, ainda, que o governo envidará esforços para mitigar as consequências econômicas, com apoio a trabalhadores e empresas.
Desse discurso, forte e sereno, é possível extrair lições importantes. Presidentes da República são líderes. Quem está investido desse papel não tem o direito de errar. Liderar, também, é exercer um papel de enorme significado simbólico, porque inspiram atitudes, despertando nas pessoas atitudes virtuosas. Mesmo em tempos de virtualização da vida, o líder é aquele que corporifica a unidade nacional, que assume responsabilidade, que transmite segurança, que dá o exemplo e que transmite a coragem que o povo precisa para acreditar em dias melhores.
Winston Churchill, Mahatma Gandhi e Nelson Mandela seguramente não concordariam com tudo em matéria de política, mas foram lideranças imprescindíveis em momentos cruciais da história da humanidade. Bolsonaro e seus correspondentes pelo mundo, não. Mentir, debochar e se esconder atrás de falanges virtuais não são posturas de um líder. Demonstram fraqueza. Covardia. Ignorância. Mesquinhez. E essa é a linha demarcatória entre aqueles que são lembrados pelas gerações do porvir e aqueles que nos esforçamos para esquecer.
Além de uma intensa mobilização de um campo da política comprometido com a defesa de conquistas civilizatórias - contra, portanto, a sucessão tétrica de mentiras que é o governo Bolsonaro - é radicalizar o sentido mais eloquente da democracia que é o seu caráter pedagógico. É preciso, portanto, afirmar a urgência de um diálogo franco sobre nosso projeto de nação e de futuro comum. E aprender com os erros. Afinal, ser liderado por Bolsonaro é tudo o que o Brasil não precisava nestes dias tão difíceis.