Discurso e tradição americana rasgados

Por Érica Gorga |
| Tempo de leitura: 2 min

A polarização extremada, a intolerância, a empáfia e a falta de cordialidade e decoro parecem mesmo ter tomado conta da Política, e não só da nacional, mas também da internacional, como demonstram os acontecimentos da última semana nos Estados Unidos, ainda considerados a maior democracia do mundo e exemplo de bom funcionamento institucional.

O presidente Donald Trump, como já era esperado, foi absolvido no processo de impeachment perante o Senado americano, de maioria republicana, na quarta-feira 05/02. Ainda que as acusações, que incluíam abuso de poder presidencial, fossem consideradas graves, fato notório é que se tratava de julgamento político, e não jurídico, como é da própria natureza do processo de impeachment previsto na Constituição americana, que prevê o voto favorável de ao menos 2/3 dos senadores. Trump conseguiu obter a maioria dos votos a seu favor, vencendo com ampla margem.

Aliás, Trump não é o primeiro presidente americano a ser absolvido num processo de impeachment. O mesmo aconteceu com os presidentes Andrew Johnson e Bill Clinton, que foram cassados pela Câmara dos Deputados americana (“Câmara dos Representantes”) e absolvidos pelo Senado.

O clima de polarização e tensão no pré-julgamento do impeachment chegou a níveis jamais vistos, maculando o mais tradicional pronunciamento presidencial, o “Estado da União” (State of the Union). Esse discurso ocorre em todo início de ano, em sessão conjunta do Congresso americano, quando o presidente trata dos assuntos mais importantes da nação, avaliando a situação orçamentária e econômica do país, de modo a delimitar a agenda legislativa e as prioridades nacionais.

Trump proferiu o discurso no dia 04/02, um dia antes do julgamento do impeachment no Senado, para audiência lotada das mais influentes autoridades políticas. Desde o início criou-se mal-estar, notado pela plateia, quando Trump foi entregar as cópias do discurso ao vice-presidente republicano Mike Pence, que acumula o cargo de presidente do Senado, e à Nancy Pelosi, a presidente da Câmara dos Deputados que é do partido democrata. Trump ignorou Pelosi, que havia estendido a mão para cumprimentá-lo, não ficando claro se o fez de propósito ou se não viu o gesto da democrata.

Fato é que Pelosi fez questão de não deixar barato a gafe presidencial. Ao final do discurso, apresentando feição nitidamente contrariada, resolveu rasgar em pedaços as várias páginas do pronunciamento de Trump, num ato intencionalmente teatral, enquanto o presidente ainda recebia os aplausos calorosos de ouvintes. Ficou claro em vídeos circulados na internet que a congressista planejou o ato durante o pronunciamento, chegando a deixar marcados os locais onde as páginas deveriam ser rasgadas, para a execução da afronta ser bem-sucedida.

Se a falta de cordialidade de Trump decepcionou, a postura extremamente desrespeitosa e deselegante da Presidente da Câmara americana surpreendeu ainda mais por contrariar o decoro que se espera da mais alta representante do Poder Legislativo.

Tanto republicanos como democratas frustraram o legado deixado pelos grandes líderes políticos americanos. Infelizmente, os Estados Unidos de hoje não mais parecem o mesmo país de Thomas Jefferson ou Franklin Roosevelt.

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