Merenda escolar como política de Estado

Por Professora Bebel | 10/01/2020 | Tempo de leitura: 2 min

Reportagem da Folha de S. Paulo publicada em 02.01.20 mostrou o balanço da Operação Prato Feito, deflagrada pela Polícia Federal em 2018 para apurar desvios em contratos para fornecimento de alimentação para escolas públicas de 50 municípios paulistas. 154 pessoas, entre agentes públicos e empresários, foram indiciadas. Dentre elas, 13 prefeitos. Estima-se que 1,6 bilhão de reais foram desviados.

O quadro, para além dos ilícitos praticados, revela o fracasso moral de quem subtrai a merenda de centenas de milhares de crianças e adolescentes, e coloca em evidência a necessidade de encarar a alimentação escolar como coisa séria.

O enfrentamento desse problema demanda a mobilização de diversos atores sociais e institucionais. E o entendimento, pela sociedade, de que a alimentação é um direito social assegurado constitucionalmente, corolário do direito à Educação, que não se confunde com mero assistencialismo.

Tratar o assunto com a importância devida envolve promover ações práticas em cinco direções, todas interligadas:

a) assegurar o cumprimento do direito humano à alimentação adequada e saudável, com redução dos gêneros ultraprocessados e industrializados e sua substituição por produtos da agricultura familiar e orgânica;

b) reconhecê-la como parte do direito à Educação e como manifestação social, cultural, étnica e regional da população brasileira;

c) estimular a promoção hábitos alimentares adequados às crianças e adolescentes;

d) entender a escola como espaço propício à formação de hábitos saudáveis e a alimentação escolar como componente transversal da política pedagógica;

e) fortalecer o controle social e a gestão democrática da Educação, incrementando a interação de conselhos de escola e de alimentação com os órgãos de controle externo, tais como o Ministério Público e os Tribunais de Contas.

Com isso é possível obter três avanços que são urgentes. O primeiro, reposicionar a alimentação como componente da dignidade da pessoa humana, no momento em que cresce o percentual de crianças e adolescentes com sobrepeso e obesidade. Dados do Ministério da Saúde, de 2019, apontam que cerca de 13% dos meninos e 10% das meninas entre 5 e 19 anos estão acima do peso. O segundo, inscrever o direito à alimentação escolar como política de Estado e, portanto, como algo que não depende da (boa) vontade de governos. O terceiro, institucionalizar mecanismos de controle social e externo que assegurem transparência, eficiência e efetividade ao gasto público nesse campo.

Em estados com São Paulo, que têm sistemas complexos de compras públicas, envolvendo aquisições centralizadas e descentralizadas na rede pública estadual, cujo investimento ultrapassa 1 bilhão de reais por ano, e centenas de redes municipais de ensino, essas são medidas indispensáveis para garantir alimentação escolar de qualidade para todos.

E, acima de tudo, este é o caminho que devemos percorrer para que o ato de alimentar, cujo simbolismo evoca amor, cuidado, comunhão e partilha, seja parte de um projeto educacional robusto para o Brasil, e não mais um capítulo triste do descaso e dos desvios em políticas públicas no nosso país.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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