Nunca foi tão necessário desenvolver a consciência política quanto agora. Há menos de três meses para as eleições que definirão quem vai comandar o país e ocupar o Congresso Nacional -- além de decidir sobre governadores e deputados estaduais --, o cenário ainda é nebuloso, senão obscuro. Afinal, quem te representa? Vamos além, a pergunta que devemos fazer é: com quantas mulheres se faz uma democracia? No Brasil, bem poucas.
Apesar de estarmos completando 90 anos do direito ao voto, há muito pouco o que comemorar. A paridade de gênero na política avança a passos de tartaruga e a ONU Mulheres estima que neste ritmo sejam necessários 120 anos para isso acontecer. Na última eleição, em 2020, as mulheres representaram 12,2% do total de prefeitos eleitos e 16% do total de vereadores.
Somos a maioria da população e do eleitorado brasileiro, representando 51,8% e 52,8% respectivamente, no entanto, estamos longe de alcançarmos a representatividade feminina no âmbito político. Uma realidade que coloca em xeque o nosso entendimento sobre o que de fato é uma democracia que, segundo definição, é um regime político em que todos os cidadãos elegíveis participam igualmente — diretamente ou através de representantes eleitos — na proposta, no desenvolvimento e na criação de leis, exercendo o poder através do voto. Convenhamos, nossa democracia não é tão democrática assim.
Para a secretária nacional de Políticas para as Mulheres, Ana Reis, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, historicamente, a mulher brasileira foi excluída do processo político. “O que gerou a cultura de que política não é lugar para mulher, de que elas não se interessavam em ocupar esses espaços”, define. Segundo ela, apesar de ainda hoje ser difícil para elas por motivos como jornada dupla de trabalho, cuidados com a família e o preconceito, as mulheres estão se movimentando e ocupando espaço também no meio político.
“O que podemos observar é que ao incluir as mulheres de forma efetiva nas esferas de poder legislativo e executivo, conseguimos ofertar à sociedade a possibilidade real de construção de políticas públicas mais representativas, corrigindo, assim, esses fatores históricos que suscitaram a ideia de que a política não é um ambiente para mulheres”, declara.
Com uma visão mais crítica, Ana Claudia Jaquetto Pereira, analista de programas da ONU Mulheres Brasil e doutora em ciência política, acredita que as mulheres brasileiras sempre se interessaram pela política. “Isso é evidenciado pelo fato de que elas sempre fizeram parte de movimentos sociais e comunitários, e influenciaram decisões dos homens em postos de poder e tomada de decisão”, pontua. O problema, segundo ela, é que elas não conseguem traduzir esse interesse em ocupação de postos de poder e tomada de decisão, devido à discriminação de gênero e raça e aos obstáculos que ela gera.
O Brasil ocupa a 142ª posição em representatividade feminina na política, em um levantamento realizado com 192 países no relatório ‘Mulheres no Parlamento’, publicado em 2021 pela ONU Mulheres, em uma parceria com a UIP (União Interparlamentar). Na América Latina, apenas o Haiti, que não tem nenhuma mulher no Legislativo, está pior no ranking, ou seja, perdemos, inclusive, para os nossos vizinhos.
O cenário é muito negativo para o Brasil. No ranking de ocupação de postos ministeriais por mulheres, o país ocupa o 144º lugar, com 10,5 % - em comparação com uma média mundial já baixa, de 22%. “Esses números variam quando novas ministras são nomeadas, mas permanecem mais ou menos neste patamar”, ressalta Ana Claudia.
No Legislativo, não é muito diferente. Menos de 15% das cadeiras na Câmara dos Deputados são ocupadas por mulheres. No Senado, pouco mais de 17%. “São números muito baixos, que colocam o Brasil em uma posição desfavorável, se comparado aos países da América Latina e até globalmente”, afirma a representante da ONU.
O relatório mostra que países que alcançaram paridade na política se empenharam por anos na promoção de um debate amplo com os movimentos de mulheres e feministas e o aprimoramento de mecanismos como o de cotas. “É o caso da Bolívia e do México, por exemplo”, cita Ana Claudia.
Desde a década de 90, o Brasil vem adotando medidas para reverter esse quadro, como o sistema de cotas e, mais recentemente, a determinação de que 30% do fundo eleitoral e partidário, bem como o tempo de campanha na propaganda política, sejam destinados à candidatura de mulheres. Passa a valer esse ano, a alteração na legislação que determina que votos dados para mulheres e pessoas negras sejam contados em dobro para efeito de distribuição dos recursos do fundo eleitoral até 2030.
Ana Claudia explica que ainda assim faltam medidas mais eficientes, que eliminem os obstáculos existentes como, por exemplo, o acesso e a fiscalização adequada do uso dos recursos de campanha pelos partidos políticos, não só isso, mas o direito de comandar e tomar decisões intrapartidárias.
A violência também é um impedimento. “Pelo simples fato de serem mulheres, muitas sofrem ataques que as levam a se afastarem. Os poucos dados existentes mostram que as mulheres trans e negras são as mais afetadas já que a discriminação de gênero é agravada pela transfobia e pelo racismo”.
Por fim, a cultura patriarcal que coloca como responsabilidade da mulher os cuidados com a família e com a casa. “Como a carreira política requer jornadas de trabalho extensas e até viagens, muitas ficam sem condições de se dedicar. Faltam serviços e equipamentos públicos para aliviar essa sobrecarga e uma distribuição de tarefas mais equitativa entre homens e mulheres”, conclui a representante da ONU Mulheres.
Ainda assim, mesmo com tantos percalços, cada vez mais mulheres se mostram dispostas a superar as dificuldades para representar as camadas mais vulneráveis da sociedade. A mudança também está nas nossas mãos, passa obrigatoriamente pelo voto. As mulheres são maioria, basta cada uma fazer a sua parte na hora de apertar a tecla Confirma.