Corria a quinta-feira de 17 de agosto de 1922 quando, numa histórica sessão na Câmara de Taubaté, Luiz da Câmara Leal discursou sobre livros lançados por Monteiro Lobato anos antes.
Disse Leal: “A tendência literária dos ‘néos’ é para o descrédito dos lugares donde partiram. ‘Urupês’, ‘Idéias de Jeca’, ‘Cidades mortas’, do nosso conterrâneo [...] trazem atestado mudo de uma grandeza morta, afastam as forças da evolução, matam desejos de cérebros que idealizam”.
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E completou: “Todos os meios possíveis devem ser lembrados para levantamento das forças de nossa Taubaté, para que escape da lista das cidades mortas”.
Era o sinal do movimento que completa 100 anos: o cancelamento de Monteiro Lobato em Taubaté, sua cidade natal.
Câmara Leal agremiou-se às dores indignadas da elite taubateana ressentida com a maneira com que Lobato descrevia seus pares. Para quem almejava inspiração em lordes ingleses e mademoiselles francesas, ser descrito como Jeca Tatu era demais.
Também discordavam da maneira como o escritor descrevia a realidade retrógrada da época, em que se vivia no Vale do Paraíba.
Não bastasse o discurso inflamado na Câmara, livros de Lobato foram queimados em Taubaté anos depois, numa ‘fogueira das vaidades’, mas com fogo de verdade.
As obras tornaram-se clandestinas na cidade que hoje se orgulha de ser reconhecida como ‘Capital Nacional da Literatura Infantil’, justamente por causa de Lobato.
“Enquanto Lobato revolucionava o mercado editorial brasileiro, ele foi cancelado na sua terra natal por causa dos livros”, diz Pedro Rubim, produtor, editor, cinegrafista e editor, criador do ‘Almanaque Urupês’ e profundo conhecedor da obra de Lobato.
“Lobato tratou os personagens dos livros com tanta vivacidade e referências que as pessoas se reconheciam neles”, diz ele. “É um conjunto de ressentimentos de pessoas que conheciam Lobato, do grupo político que ascendeu com a cumplicidade do escritor”.
Rubim ainda revela que o cancelamento de Lobato e a queima dos livros do escritor, que acontece após a morte dele, na década de 1950, ocorreram com apoio da Igreja Católica. O escrito era apontado como comunista, que poderia desvirtuar a mente dos jovens. “Parece bem atual isso”, brinca Rubim.