Faz tempo que a cerveja deixou de ser “coisa de homem”. Aliás, segundo conta a história, ela nunca foi. A pesquisadora e sommelier de cervejas Jane Peyton, autora inglesa de livros sobre o tema, confirma que até menos de dois séculos atrás, cerveja era, em todos os sentidos, “coisa de mulher”. De fabricante de cervejas, ato que era considerado uma atribuição doméstica, elas passaram a ser coadjuvantes da própria invenção, uma vez que, historicamente, o mercado cervejeiro sempre foi encabeçado por homens e direcionado para o público masculino.
A boa notícia é que as mulheres estão passando essa história a limpo: elas não só têm consumido a bebida, como entendem cada vez mais do assunto e ainda produzem a própria cerveja para quebrar padrões e aumentar a representatividade feminina no segmento. A empresária Fernanda Villarta, de Taubaté, e a administradora de empresas Luiza Lugli Tolosa, de Várzea Paulista, são boas representantes deste movimento.
“Minha motivação sempre foi o empoderamento feminino. Queria ter um negócio que pudesse empregar mulheres e impactar positivamente a questão financeiras delas. Comecei dando consultoria de gestão financeira para mulheres empreendedoras, até chegar na ideia da cervejaria”, relembra Fernanda Villarta, fundadora da cervejaria Marias.
Ela recorda que aprendeu a apreciar cervejas com as duas avós, companheiras de copo. O fato de se interessar por causas feministas não determinou que o negócio de Fernanda fosse uma cervejaria. Pelo contrário, o fator decisivo foi uma oportunidade no mercado empresarial. No começo, eram 20 litros produzidos em casa. A comercialização da Marias só veio depois do CNPJ e do registro junto ao Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento). Hoje o volume é de mil litros mensais, entre barris de chope e latas de cerveja.
“Tenho pontos de venda, faço eventos particulares, feiras, festivais e também venda de latas para pessoa física. Infelizmente, o setor cervejeiro ainda é muito masculinizado, mas tenho percebido mudanças, quebras de paradigmas, já que grandes cervejarias têm mulheres cervejeiras e tomadoras de decisões. Isso tende a crescer cada vez mais”, declarou Fernanda.
Elas no comando. E ela está certa. Em Várzea Paulista, no interior de São Paulo, está instalada a cervejaria Dádiva, que também foi fundada por uma mulher, a sommelier de cervejas e administradora de empresas pela USP (Universidade de São Paulo) Luiza Lugli Tolosa, que está à frente do negócio que mensalmente produz de 20 a 30 mil litros de cerveja.
“Depois de ter passado por algumas experiências no mercado financeiro, em consultoria e em ONG, resolvi empreender e vi potencial no mercado de cerveja artesanal. Abri a Dádiva em 2014, quando havia apenas 200 cervejarias no Brasil. Hoje já são mais de 1.400 registradas no Mapa”, disse Luiza, ao relembrar que desde o início do negócio já foram lançadas mais de 220 cervejas com diferentes receitas, rótulos e histórias.
Inclui-se nesta conta também mais de 30 prêmios, entre eles o de melhor cervejaria do Brasil pelo RateBeer em 2019 e 2020. Tudo isso para uma cervejaria que foi fundada por uma mulher e, desde então, é gerenciada também por uma mulher. Mas neste caminho não foram só brindes e cerveja gelada. Luiza já enfrentou bastante adversidade, especialmente pelo fato de ser uma mulher atuando em um mercado majoritariamente masculino.
“O que acredito ser comum a todas é a necessidade de se apresentar antes de qualquer tipo de colocação. Ou seja, a mulher precisa dar suas credenciais antes de ser elegível a ser ouvida. E isso é muito cansativo e afasta mulheres que queiram beber ou trabalhar no mercado”, afirmou.
Com Fernanda, da cervejaria Marias, não foi diferente. “Quando descobrem que é uma mulher que faz as cervejas há duas linhas de comentários. Primeiro, no sentido da aprovação, ‘nossa, deixa eu experimentar para ver se é boa mesmo’; segundo, tem a ver com inventivo, ‘que legal, mulher fazendo cerveja’. Mas nada disso nunca me intimidou”, disse.
Para a CEO da Dádiva, as mulheres ainda podem ocupar muito mais espaço no universo da cerveja, até mesmo para que o mercado tenha equidade de gênero e mais espaço disponível para mulheres assumirem posições em cervejarias. “Se juntar a outras mulheres e participar de projetos e ações afirmativas sobre o assunto são atitudes muito benéficas. Isso traz força e liberdade para quem quer trabalhar e beber cerveja. Falar com as amigas, compartilhar experiências, sair para beber, trocar ideias e ouvir dores e conquistas é muito válido para nós mulheres nos fortalecermos e conquistarmos o espaço que desejamos”, finalizou Luiza.