Marcos Meirelles

Anotações sobre a visita ao arquipélago

Por Marcos Meirelles, jornalista |
| Tempo de leitura: 2 min

O desgoverno Bolsonaro é, em parte, reflexo da nossa história de subjugação dos povos nativos e dos escravos e de exclusão permanente de maioria absoluta da população.

E existem lugares no Brasil que levam ao extremo as distorções e contradições do nosso país.

Estou em Noronha, de onde escrevo este artigo. E aqui, a mais de 3.000 quilômetros de São Paulo, a gente se obriga a refletir sobre a nossa impossibilidade enquanto nação.

Noronha é uma ilha sem noronhenses. Todas as mulheres da ilha são obrigadas a deixar o local para dar à luz no continente, por determinação do governo. O objetivo é evitar que noronhenses natos pleiteiem o direito à terra que pertence ao Estado e à União.

Mas isso é apenas uma das maluquices locais.

Poucos moradores nativos têm dinheiro para abrir uma pousada. Um empreendimento desse tipo, considerando a distância de mais de 300 quilômetros do continente, implica o triplo do investimento em material de construção e mão-de-obra.

E, no entanto, dezenas de pousadas estão em construção em Noronha, seguindo o modelo de associação com os nativos que fez várias estrelas globais transformarem a ilha em uma espécie de vitrine de negócios e glamour.

A ilha, na verdade, é um arquipélago e foi tratada com absoluto descaso pelos portugueses e pelo império brasileiro apesar de seus encantos óbvios. Depois, virou presídio, sítio maldito de degredo e de perseguição.

Para impedir que presos rebelados se refugiassem em matas, metade da vegetação foi destruída.

O fim do tempo de presídio e de fortaleza militar fez o turismo florescer, mas as condições de infraestrutura da ilha avançaram lentamente. A população nativa, até há pouco tempo, só tinha acesso ao abastecimento de água a cada 15 dias.

Seus 12 fortes a tornaram a ilha mais protegida do país. Depois, foram abandonados, em um processo de destruição do patrimônio histórico que se estende a construções históricas, como a antiga sede da Air France.

São sucessivas tragédias e percalços. Os turistas endinheirados que visitam Noronha, no entanto, flutuam sobre tudo isso e fazem da ilha uma fonte interminável de paisagens para selfies e postagens no Instagram.

Foi bom conhecer Noronha e se certificar que, no Brasil, até as mais belas paragens estão submetidas ao julgo de uma exploração comercial sem limites, e a uma permanente história de opressão e de discriminação dos brasileiros sem cidadania de fato.

É evidente que os endinheirados continuarão desfrutando a ilha como se fosse a nossa Maldivas do Atlântico Sul. Os preços em Noronha são exorbitantes, mas é preciso considerar as dificuldades de logística para abastecimento na ilha. São exorbitantes, repito, mas nada que incomode um paulistano do Itaim-Bibi. No Bar do Meio, um dos destinos preferidos dos novos ricos, os moradores locais brincam que a moeda em circulação é o euro.

Bom mesmo é saber que, no meio de tudo isso, a alma acolhedora e alegre dos nordestinos ainda prevalece. Os moradores fazem troça com o seu próprio destino. E se orgulham do patrimônio natural que sabem ser uma maravilha de toda a humanidade.

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