Eu tenho a crença de que as pessoas são cores. Eu, por exemplo, sou azul. Redescobri recentemente. E esta é uma das maiores certezas que carrego na mochila. Sei disso desde criança, só tinha me esquecido. É que com o passar dos anos, a gente vai mudando, se transformando, e deixa de ser um pouquinho do que era antes. E é bom, saudável e necessário.
Outras vezes, criamos apego a alguma faceta de quem somos. Pode ser um medo bobo. Uma paixão platônica. Um sonho em desalinho com a realidade. E este apego nos faz esquecermos de todo o resto que somos. Da nossa verdadeira essência. Ou da nossa cor.
Assim como uma cobra que se despe da pele que não lhe cabe mais, crescemos e deixamos um pouco de quem somos para trás. É justo e coerente. Só assim nos tornaremos o nosso eu do futuro, o orgulho de nós mesmos. Não posso como adulta nutrir as mesmas questiúnculas de quando menina. Lembro de, bem criança, admitir, num choro doído, um temor secreto para minha mãe: o de não saber contar o troco quando fazia alguma compra no mercadinho do Seu Manel. Carinhosamente, minha mãe me assegurou de que eu iria superar e aprender, sim, a contar dinheiro. “Eu só finjo que conto o troco, mas não sei contar”, confessei baixinho.
O tempo passou e continuo azul e aquela que tem alguma elegância na hora de lidar com o dinheiro. Na verdade, cá estou aliviada por “passar cartões” no ato de pagamentos e, tacitamente, não me preocupar em contar o troco. O que mudou foi somente o tom do meu azul, que pode ser mais escuro quando estou com amigos que discutem arte. Pode ser mais suave quando estou com a galera que só me faz rir. Adquire um tom índigo naqueles momentos de reflexão e de mergulho interior. O meu azul pode ficar arroxeado quando me sinto desconfortável em meio à gente sem noção.
Fui um azul bebê no auge da minha inocência. Época boa em que acreditava em tudo que me falavam. Tudo, tudo. Não sabia da maldade e da mentira. Fiquei insípida e inodora – mas nunca incolor! –, quando descobri que as pessoas nos enganam e nos usam. Não me ensinaram a ter a malemolência dos malandros que mudam de cor tal qual um camaleão. Eu era azul. E pronto. Mas, aprendi a manter-me azul, fiel a mim mesma, e mostrar a minha gama de tons somente para quem vale a pena. É um desperdício – de tempo e de cor – exibir-se para todos. Minhas tias poderiam até dizer que é démodé mostrar a qualquer um toda a exuberância que se tem, tipo um pavão.
Com pouquíssimas pessoas, consegui experimentar toda a paleta de cores do azul. Teve uma, em especial, que me fez florescer. E eu a encontrei voltando do trabalho, numa terça-feira à noite. Estava em frente ao espelho e me olhava nos olhos. Foi quando eu me vi e vislumbrei todos os tons de azul que eu já fora e ainda sou – e me senti inteira.
Só depois de me enxergar e me autoconhecer, estava pronta para o próximo passo: reconhecer o outro. E é uma magia quando se encontra alguém que é azul, igual a você. Quando isso acontece, acende uma luz dentro da gente e tudo muda ao redor. Mas, a gente continua sendo a gente mesmo.