Izaias Santana

Conferência da Cidade e o Véu da Ignorância

Ao final, foram cerca de 2.000 eleitores, que elegeram 170 delegados regionais e 85 delegados técnicos

Por Izaias Santana, doutor em direito constitucional pela USP, professor da UNIVAP e Prefeito em Jacareí | 17/08/2022 | Tempo de leitura: 2 min

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Jacareí realizou, de 1 a 15 de agosto, 26 oficinas para capacitação dos eleitores que escolheram Delegados à ‘Conferência da Cidade’, que irá discutir e deliberar as propostas de revisão de seu Plano Diretor, cuja elaboração deu-se entre 2002 e 2003.

Ao final, foram cerca de 2.000 eleitores, que elegeram 170 delegados regionais e 85 delegados técnicos, para a formação do colegiado de 255 delegados (cidadãos), que irão debater e deliberar as propostas que serão encaminhadas à Câmara Municipal, visando a alteração do Plano Diretor.

Este procedimento atende à exigência constitucional de compatibilizar os elementos da democracia representativa com elementos da democracia participativa ou direta. Num sistema representativo, os eleitos (vereadores e prefeitos) falam pela totalidade da população e definem o conteúdo das leis e políticas públicas.

Objeto de diversas críticas, o sistema representativo vem sendo atenuado por institutos da democracia direta, como Conferências, Conselhos e Audiências Públicas para definição, implementação e monitoramento das políticas públicas. Bem como, iniciativas populares, plebiscitos e referendos na produção legislativa.

A questão de fundo é saber quem pode definir o ‘interesse geral’. Não se trata de uma questão quantitativa, a ser resolvida por processos plebiscitários ou pela regra da maioria. Trata-se do desafio de escolher o colegiado cujo componente possa fazer escolhas que devem obrigar a todos.

Um dos principais críticos do contratualismo clássico, o filósofo norte-americano John Rawls, sustenta que as pessoas deveriam se colocar no que chamou de ‘posição original’, na qual todos estariam sob um ‘véu de ignorância’. Ou seja, as pessoas não saberiam qual seria sua condição social e sua função na sociedade real e, nesta condição de desconhecimento, poderiam estabelecer as condições ideais.

Toda lei e política pública são escolhas de quais interesses devem ser prestigiados e quais devem ser rejeitados. Aos primeiros, é dado o ‘rótulo’ de ‘interesse público’. Quem escolhe, deve vestir o ‘véu da ignorância’, ou seja, despir-se de seus interesses pessoais e decidir o que será melhor para a Cidade. Rawls sustenta que as escolhas sob ‘véu da ignorância’ resultariam na “organização da sociedade, tal que seria escolhida por qualquer pessoa, independentemente do conhecimento que detivesse de sua real condição”.

Proprietários e investidores do mercado imobiliário, integrantes de movimentos populares por moradias, representantes sindicais, profissionais liberais e servidores públicos comporão o colegiado da ‘Conferência da Cidade’. Todos, com legítimos interesses, devem discutir e decidir o que é melhor para Jacareí, abstraindo-se de seus atuais interesses e, hipoteticamente, desconhecendo ou ignorando seus interesses futuros.

As decisões devem ser aquelas que, uma vez implementadas, seriam aprovadas pelo votante, independentemente do papel social e econômico que viesse a ocupar no futuro. Para cumprir bem seu papel, os Delegados devem conhecer a cidade e devem vestir o ‘véu da ignorância’ ao votar propostas de alteração do Plano Diretor. Eles devem despir-se de seus interesses para construir o interesse geral.

Izaias Santana, doutor em direito constitucional pela USP, professor da UNIVAP e Prefeito em Jacareí

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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