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Baixa representatividade política cria o grito inaudito das pautas femininas

Por Daniela Borges |
| Tempo de leitura: 5 min

A baixa representatividade feminina no espaço político não só fere a democracia como também impossibilita que as lutas femininas sejam colocadas em pauta e implantadas. Além de injusto, é nefasto. E as consequências são sentidas no dia a dia de cada mulher brasileira.

“Onde não há presença, não há voz. Muito menos autonomia ou autodeterminação”.  A frase, que resume o impacto desse problema, é da mestra em direito público e especialista em direitos fundamentais Nicole Gondim Porcaro, da Associação Visibilidade Feminina. 

Segundo ela, essa sub-representatividade faz com que os direitos e liberdades conquistados pelas mulheres estejam sempre sob o risco de retrocesso.  “A ausência nos espaços de poder é um dos aspectos mais determinantes do apagamento e silenciamento da história das mulheres”, ressalta.

Quando se cala a voz de uma mulher, valida-se a ideia de que os homens são figuras com maior autoridade do que as mulheres. “Essa visão perpetua a desigualdade e solidifica a asserção de que a subordinação aos homens se justifica, tendo eles o direito de governar as mulheres, dominá-las e violá-las”, afirma.  

Para a advogada Gabriela Rollemberg, cofundadora da Quero Você Eleita, o fato de os espaços de poder, no geral, serem masculinos representa um grande obstáculo para o avanço da paridade política de gênero. “Nos partidos políticos, o percentual de filiadas é quase idêntico ao de filiados. Mas quando olhamos os cargos diretivos, poucas são mulheres, vira um ciclo vicioso, como temos poucas mulheres decidindo, poucos recursos chegam para essas mulheres e as candidaturas femininas acabam não se convertendo em mandatos eletivos”, explica.

Esse cenário foi alvo de uma pesquisa realizada por Nicole. “Averiguei que em 2021, a média de mulheres ocupando cargos executivos nos partidos era 20%. Além disso, apenas três das agremiações eram presididas por mulheres (PCdoB, Podemos, PT), mesmo número de mulheres líderes de bancada (PCdoB, PSOL, REDE)”, pontua.

O momento político também não favorece, segundo Gabriela. “Um governo conservador com um congresso de maioria conservadora traz muita dificuldade para a aprovação de novos incentivos, mais ágeis, para alcançarmos a paridade, como as cotas de cadeiras, que seriam um avanço, desde que mantendo todos os incentivos que já temos”, diz.  

Reflexos. Quase metade dos lares brasileiros são chefiados por mulheres, somos também quase 50% da força de trabalho, por isso, segundo Gabriela, a ausência de mulheres em cargos políticos deixa uma parcela representativa da população de fora das políticas públicas. “A base da pirâmide brasileira é formada por mulheres negras, sem elas (no poder) as políticas públicas deixam de ter a qualidade e a potência que poderiam, porque quem sabe o que é importante não está sendo ouvido”, exemplifica.

Outra pesquisa sobre o tema realizada com cidades brasileiras e publicada no Journal of Economic Development mostra que os municípios comandados por mulheres tiveram desempenho melhor na pandemia do que aquelas sob o cuidado de homens. “Outras pesquisas apontam que, em geral, lideranças políticas femininas tendem a priorizar saúde e educação. Como as mulheres são socializadas para terem um olhar mais voltado para o cuidado e criação do outro, tendem a valorizar mais que os homens essas agendas”, afirma Nicole. Lideranças políticas mulheres também administram melhor verbas públicas e são menos propensas à corrupção. Portanto, a sub-representatividade feminina na política afeta toda a sociedade.

Um exemplo de pauta que só ganhou visibilidade por pressão das mulheres é a dignidade menstrual. Depois de muita mobilização, criou-se, no ano passado, a Lei 14.214, que teve origem no projeto da deputada federal Marília Arraes.

“Quanto mais mulheres na política, mais a gente muda a política, a realidade, os índices sociais, temos menos corrupção e entrega de políticas públicas com mais qualidade.  A forma de liderar feminina é muito diferente da masculina, as mulheres são muito mais empáticas, com uma liderança mais focada no resultado”, explica Gabriela.  

Causas. Além das já apontadas na matéria que abre essa edição, Nicole acrescenta ainda outros fatores que barram o acesso da mulher à política, como o protagonismo do homem na vida pública, o estereótipo de que a mulher é menos preparada para a política e a resistência dos partidos políticos em investir em lideranças femininas.

Aliás, os partidos políticos merecem destaque como um dos grandes responsáveis pela sub-representação da mulher na política. São, na maioria, instituições capitaneadas por homens brancos que sequer são eleitos por seus filiados. “Pesquisas apontam a falta de apoio do partido como a principal barreira para a candidatura e o sucesso eleitoral de mulheres. Como os partidos são os gestores do financiamento público de campanha e outros recursos, inclusive humanos, a eleição de mulheres depende diretamente do comprometimento do partido com sua candidatura”, afirma Nicole.

Gabriela concorda. Segundo ela, a desigualdade na distribuição de recursos traz dificuldades para as mulheres serem efetivamente eleitas. “Nosso desafio agora é não só ter candidaturas femininas, mas candidaturas femininas viáveis, que se transformem em mandatos”, ressalta.

Nicole chama a atenção ainda para a existência de  um movimento generalizado entre os partidos para tentar manipular os objetivos da política de cotas de gênero e outros mecanismos de inclusão das mulheres na política. Segundo ela, popularizou-se o uso de candidaturas fictícias (“laranjas”) para preencher os 30% de candidatas. “Concentra-se o financiamento mínimo a ser destinado para mulheres em algumas poucas candidatas consideradas competitivas, geralmente candidatas majoritárias, muitas vezes vice de um homem”, denuncia.

O que vemos no cenário político brasileiro é que enquanto os espaços de poder forem ocupados por homens, as mulheres serão sempre relegadas a segundo plano, coadjuvantes de uma história que poderia ter um desfecho muito mais humanista e comprometido socialmente.

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