
Bornal no ombro e pé na estrada. Mal amanhecia e lá ia "seu" Zé Mira. Pegava a condução - ônibus ou carona - e seguia para a luta. No retorno para casa, com sol posto, trazia dentro da sacola legumes, verduras, leite e queijo.
Mas, aquilo que era visto como imenso sacrifício por seus familiares, era para ele um prazer. Afinal, é no contato com o povo que Mira ficava sabendo das boas novas e ouvia antigas histórias, inspirações para suas composições.
Ícone da cultura popular regional, o mestre sonhava grande. Foi tropeiro, agricultor, pedreiro, mestre de Folia de Reis, do Divino e de Moçambique. Mas tornou-se de fato conhecido como compositor. Nas suas letras, o retrato da paisagem caipira do Vale do Paraíba paulista.
"Ele era um 'hitmaker'", brincou Bruno Sanches, pesquisador das tradições musicais populares. "Algumas de suas canções são 'chicletes', ficam na cabeça. Ficamos uma semana cantarolando", continuou ele, que assina a direção musical do espetáculo "Tributo ao Mestre Zé Mira", que ocorre neste sábado e homenageia os dez anos da morte do artista.
Sobre o palco, a Camerata de Violas, com oito violeiros que apresentarão novos arranjos para as composições autorais de Zé Mira.
"O desafio foi pegar aquela música singela, e, ao mesmo tempo, sofisticada, e dar uma nova roupagem, mas sem perder as suas características originais", disse Sanches. "Quem conhece o trabalho do músico, vai reconhecê-lo no show".
Grandiosidade.
Maria Helena,diretora da Casa de Cultura Zé Mira, fundada em 2004 pelo próprio artista, seu pai, conta que descobriu a importância dele como mestre da cultura após o livro "Nas trilhas de Zé Mira", de Lídia Bernardes.
"Nós sempre soubemos que meu pai era um apaixonado pela cultura popular. Crescemos vendo ele dançando Moçambique, na Folia de Reis. Mas, foi após o trabalho de pesquisa de Lídia Bernardes, quando li o rascunho da obra, que eu conheci a cultura do papai", contou Maria Helena, que, na ocasião, ao mesmo tempo que sentiu-se emocionada, teve medo de perder aquele que, além de patriarca da família, era responsável por tantos movimentos da época.
Zé Mira era um sonhador: criou a Casa de Cultura em um terreno em Santana com o objetivo de unir artistas da cidade que se apresentavam por aí debaixo de sol e chuva sem qualquer apoio cultural.
Buscou um palco, uma agenda permanente de apresentações, um estúdio de gravação e até a concessão de uma rádio. Tudo em prol de artistas locais. "Ele não queria que os músicos sofressem como ele sofreu ao longos dos anos tentando divulgar seu trabalho", revela Maria.
Ainda hoje o espaço mantém uma extensa programação voltada ao universo caipira, com oficinas e apresentações musicais.
Serviço.
Nessa sexta-feira (30), às 19h30, ocorrerá no Centro da Juventude uma aula espetáculo com Bruno Sanches em que o músico falará sobre a versatilidade da viola de dez cordas.
E, no sábado (1º), o show na Casa de Cultura Zé Mira, às 20h, encerramento de uma programação que ocorreu ao longo do mês voltado para o trabalho do violeiro.
O Centro da Juventude fica na r. Aurora Pinto da Cunha, 131, Jardim America. E, a Casa de Cultura, na av. Olivo Gomes. A entrada para ambas atividades é gratuita..