Num limiar entre a realidade e o delírio. É nesse ponto que situa o trabalho do sergipano Arthur Bispo do Rosário (1909-1989), um dos artistas cuja vida está entre as mais investigadas uma vez que a loucura é a chave para a compreensão de sua obra.
Interno de uma colônia psiquiátrica no Rio de Janeiro, o talento de Rosário foi descoberto e reconhecido tardiamente, no início da década de 1980. E, ao longo de seu confinamento durante boa parte da vida, ele se dedicou a transformar tudo aquilo que se encontrava 'fora do lugar' sob o seu ponto de vista, com bordados e colagens.
Nas suas criações, fazia uso de tudo o que caia em suas mãos. Das linhas desfiadas dos uniformes dos hospitais as sucatas. E são algumas de suas peças que poderão ser vistas a partir desta sexta-feira (30) até o dia 19 de agosto no Sesi São José na mostra "A alguns centímetros do chão".
"Não se trata de uma arteterapia. O trabalho de Rosário é fruto de um processo hermético, sem qualquer intervenção psiquiátrica", explicou Luiz Gustavo Carvalho, curador da mostra. "Sua obra é marcada por uma poesia singular. A partir de uma visão, ele acreditava estar na função de um mensageiro de Deus, com a missão de catalogar e reorganizar tudo aquilo que pertencia à 'terra dos homens'".
O resultado é uma das obras mais expressivas do século 20 produzidas no país.
"Existe nas peças um ato de revolta frente ao sistema psiquiátrico (sua época era dos eletrochoques e lobotomias, entre outros tratamentos violentos nos momentos de crise). E essa 'fala' vem acompanhada, muitas vezes, de uma grande lucidez. A obra do artista se faz importante a medida em que se mostra pertinente pensar o quão sã é a nossa sociedade", diz o curador.
VANGUARDA.
Em São José, estão na mostra 20 objetos, todos originais, e um vídeo complementar com uma entrevista de Rosário.
"Até 1938 não se tem notícia se ele tinha alguma prática artística. Sabemos que há uma data bordada muitas vezes em seus trabalhos -- 22 de dezembro de 1938 --, possivelmente quando ele teve a visão", disse Carvalho.
Sabe-se ainda que ele trabalhou na Marinha e foi boxeador. E, ainda que internado em 1939, ficou livre do confinamento entre as décadas de 1950 e 1960. De 1964 em diante viveu na colônia Juliano Moreira, até a sua morte. E foi aos poucos, aprendendo a controlar a sua doença, que a arte aflorou.
Hoje, seu trabalho localiza-se na vanguarda da arte contemporânea. Suas peças já foram expostas na 46ª Bienal de Veneza (1995) e a 30ª Bienal de São Paulo (2011).
Ou seja, Rosário era um artista nato. Aliás, como já dizia o escritor Ferreira Gullar, "não é a loucura que faz um sujeito virar artista. Bispo é um artista e, por acaso, louco".
SERVIÇO.
O Sesi fica na av. Cidade Jardim, 4.389, Bosque dos Eucaliptos. Mostra fica aberta de terça a sábado, das 8h às 20h. Entrada gratuita..