Ideias

VERBO TEMER E A ESPERANÇA QUE VIROU PRETÉRITO

Por Guilhermo CodazziJornalista e escritor, editor-chefe de OVALE e Gazeta de Taubaté | 04/08/2017 | Tempo de leitura: 2 min

Houve um tempo, em um pretérito mais do que perfeito, em que Dona Nívia, minha avó paterna, me dava aulas particulares de Português, já que o meu pobre boletim vivia assombrado pelas notas vermelhas.

E como desgraça pouca é bobagem, os meus irmãos Julio e Marina eram simplesmente os melhores alunos da escola -- a Doutor Alfredo José Balbi -- ao lado da minha prima Malu. Eu, como se vê, era a ovelha negra em uma família de gênios.

Com aquele jeitinho carinhoso, Dona Nívia me levava até o quarto e lá eu ficava estudando horas e horas naquela velha escrivaninha de madeira. Tudo regado com um café delicioso, além de bolachas e doces.

Para me ajudar, minha avó fazia pequenas fichas de papel -- todas feitas a mão, com uma caligrafia caprichada. E cada uma delas tinha uma lição diferente: uso de crase, conjugação nominal, advérbios, análise sintática, e muito mais.

Olha, era tão bom, TÃO bom, que até dava vontade de ir mal na escola só para passar aquelas manhãs na casa da minha avó. Ela me ensinou muito -- e não só o abecedário. Com ela, entendi que somos todos seres singulares, mas que somos só sujeitos em busca de um complemento, seja ele direto ou indireto. E que família é como o homem conjuga a si mesmo, na primeira pessoa do plural -- mesmo que imperfeito.

Dona Nívia, com o carinho e a paciência de uma avó, soube me ensinar a conjugar o verbo amar, em qualquer tempo.

Hoje, sinto que sobrevivemos em um país que parece viciado em conjugar outros verbos, como, por exemplo, engavetar, subornar, desviar, correr (com uma mala cheia de propina) e, principalmente, temer.

'Eu temo, tu temes, ele teme, nós tememos, vós temeis, eles temem'. Em Brasília, a bandalheira parece não ter limite.

Em meio à sessão que barrou a denúncia contra o presidente Michel Temer, acusado de corrupção, o plenário da Câmara era palco de negociatas, troca de votos por cargos e emendas milionárias. Já o deputado federal Wladimir Costa (SD-PA), ferrenho defensor da bancada governista que tatuou o nome do peemedebista no peito, pedia nudes pelo celular durante a votação. É ou não é uma verdadeira temeridade deixarmos o país nas mãos desse tipo de político, prezado leitor?

O show de horrores protagonizado pela Câmara dos Deputados esta semana ficará tatuado na história do Congresso, e desnudou a face vergonhosa e nefasta da classe política. Pelo que aprendi com minha avó, é possível dizer -- com certeza -- o país não aprendeu a lição.

Quem diria que em agosto de 2017, após o escândalo 'batom na cueca' da delação feita pela JBS, o Brasil ainda conjugaria o verbo Temer no presente?

Por isso, de forma imperativa, pode-se dizer que o futuro é incerto. Fato é que, também graças ao vazio das ruas, hoje lotadas de sujeitos ocultos e panelas vazias, a esperança de mudanças já virou pretérito.

Guilhermo Codazzi é jornalista e escritor, editor-chefe de OVALE e Gazeta de Taubaté

 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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