A cena é conhecida: Dom Pedro de Alcântara de Bragança, Príncipe Regente do Brasil, ergue sua espada e brada "Independência ou Morte". Às margens do riacho Ipiranga, na atual cidade de São Paulo, ele monta seu portentoso cavalo.
Historiadores afirmam que a cena não foi bem assim, com toda essa pompa. Teria sido mais modesta. E não é só esse "desvio histórico" a favor do heroísmo que perdura até nossos dias.
Pouca gente sabe que o Vale do Paraíba teve papel fundamental no ato que declarou a independência do Brasil, até então colônia de Portugal e sob o comando do seu rei.
APOIO.
Para chegar ao 'ponto de virada', o histórico 7 de setembro de 1822, data em que ocorreu o chamado 'Grito do Ipiranga', Dom Pedro precisou arregimentar apoio econômico e político à causa da independência.
Para tanto, escolheu o Vale do Paraíba, uma das regiões mais ricas daquela época, em razão do auge da produção do café, baseada na exploração do trabalho escravo. As fazendas do Vale estavam no topo da cadeia produtiva cafeeira da colônia.
"É um pecado os livros de história não levarem em consideração, mas o Brasil nasceu no Vale do Paraíba", diz Diego Amaro, mestre em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor do Centro Unisal de Lorena, ele também é membro do IEV (Instituto de Estudos Valeparaibanos) e da Academia de Letras de Lorena.
VIAGEM.
A história por trás do "Grito da Independência" começa em 14 de agosto de 1822, quando Dom Pedro deixa o Rio de Janeiro em direção à Província de São Paulo. Partiu a cavalo com uma pequena comitiva, composta por cinco homens, sendo um ministro, dois oficiais e dois criados.
Passou por cidades do Vale do Paraíba fluminense até chegar à fazenda das Três Barras, em Bananal, no dia 16 de agosto. Começava ali a missão do príncipe em atrair apoiadores.
Com várias obras sobre o período, o historiador José Luiz Pasin, morto em 2008, atesta a importância do Vale para o contexto histórico daquela época. Escreveu ele: "O Vale do Paraíba foi a única região do Brasil a participar diretamente dos acontecimentos que culminaram com a separação do Reino do Brasil do Reino de Portugal".
Na tarde de 7 de setembro de 1822, na colina do Ipiranga, segundo Pasin, estavam, além do príncipe, os "elementos valeparaibanos, testemunhas oculares do gesto de Dom Pedro, decisivo para o processo final que desmembrava o Brasil de Portugal".
GUARDA.
Segundo Amaro, Dom Pedro sabia que, sem o apoio dos nobres do Vale do Paraíba, a causa da independência teria problemas.
Na viagem, então, ele passou a juntar aliados da região e a aumentar sua comitiva.
Jovens oficiais de cidades como Areias, Guaratinguetá, Taubaté e Pindamonhangaba, esta principalmente, foram se unindo ao príncipe e formando sua "Guarda de Honra" que, segundo Pasin, foi "composta de 32 praças, tiradas dos oficiais de milícias e comerciantes, sob o fundamento de não haver precedido licença para a sua criação".
Amaro explica que, por ser a aristocracia do Vale mais ligada ao trabalho do que à política, ao contrário do que ocorria no Rio, Dom Pedro teve pouco problema em garantir apoio na região. Além de ser uma honra estar ao lado do príncipe, o que aumentava a concorrência. "Estar ao lado do rei dá status. Todos queriam estar ao lado do príncipe, que vai agregando pessoas da elite da região até chegar às margens do Ipiranga", afirma o historiador.
Para entender a decisão de pedir apoio aos nobres do Vale, Amaro diz que, se a independência fosse hoje, D.om Pedro recorreria aos barões do agronegócio, percorrendo a região Centro-oeste. "A força do Vale vinha das fazendas de café, que estava no auge. As plantações começaram a surgir. Tinha também a riqueza do ouro, mas é o café que começa a consolida a sua pujança. A base econômica da nação veio disso", diz o historiador.
Segundo ele, no famoso quadro "Independência ou Morte" de Pedro Américo, que enaltece o príncipe, há "muita gente do Vale".
Pasin também ressaltava a cena, em suas obras: "No dia 7 de setembro, o brado 'Independência ou Morte' selou o destino político do Brasil e ali, diante dos seus auxiliares e dos jovens valeparaibanos integrantes da Guarda de Honra, o Príncipe separou o Reino do Brasil".n