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Caso Marco Aurélio: Filha de antigo proprietário da área disse ter visto possível cova em 1989

Foi esse relato, feito por ela a terceiros, que levou a Polícia Civil a reabrir o inquérito sobre o jovem de 15 anos que desapareceu no Pico dos Marins em 1985; OVALE conversou, com exclusividade, com a filha do antigo proprietário da área que serviu de acampamento para os escoteiros

Por Julio Codazzi | 16/07/2021 | Tempo de leitura: 8 min

Caso Marco Aurélio. Grupo de escoteiros acampou em propriedade na base do Pico dos Marins
Caso Marco Aurélio. Grupo de escoteiros acampou em propriedade na base do Pico dos Marins

Em 1985, o grupo de escoteiros acampou no quintal de uma área onde morava Afonso Xavier, que era uma espécie de guia do Pico dos Marins. Ele e a esposa tinham 10 filhos, mas apenas quatro continuavam no local – três filhas, que dividiam com os pais uma casa simples, de um cômodo somente, e um filho, que morava em um quarto construído do lado de fora (leia abaixo texto sobre a reabertura do inquérito do Caso Marco Aurélio).

No dia 4 de julho de 1989, pouco mais de quatro anos após o sumiço de Marco Aurélio, esse filho de Afonso também desapareceu e nunca mais foi visto. À época, João Carlos Xavier tinha 38 anos.

Após o desaparecimento de João Carlos, duas das filhas de Afonso, que moravam em Minas Gerais, foram até Piquete para ajudar nas buscas ao irmão: Helena da Conceição Xavier, que hoje tem 61 anos, e Marlene da Conceição Xavier, de 59 – são elas que a Polícia Civil tentará ouvir agora.

Foi nessa época que Helena disse ter visto na propriedade algo semelhante a uma cova. “Uns dois meses depois do meu irmão sumir, entramos no mato e vimos uma cova. Mas não conseguimos cavar, porque a gente não tinha ferramentas”, disse à reportagem nessa quinta-feira (15). “[A cova] era uma escavação, já cheia de terra, do tamanho do corpo de uma pessoa, mais ou menos”, afirmou.

À época, o caso passou despercebido. Afonso morreu em junho de 1997, e a esposa morreu há 20 anos. O relato sobre a cova só reapareceu em 2019, quando Helena estava em dificuldade financeira e voltou à Piquete, para morar com o casal de amigos que adquiriu a propriedade que era de seus pais – o local foi transformado em um espaço de hospedagem e restaurante para quem visita o Pico dos Marins; a antiga casa da família, por exemplo, foi derrubada há seis anos e deu lugar a uma edificação que já abrigou uma igreja batista e hoje serve de residência para outros amigos dos atuais proprietários.

Helena disse à reportagem que chegou a morar no local durante seis meses em 2019, e que nessa época contou aos atuais proprietários sobre a possível cova que teria visto 30 anos antes. Após o relato, ela teria recebido autorização para fazer buscas na área – o que para ela seria uma busca tanto pelo irmão, quanto pelo escoteiro. “Nós ficamos uns quatro meses cavando lá. Cavamos muito, para ver se achava algo. Mas não achamos nada. Nós queríamos descobrir a verdade, mas infelizmente não conseguimos”, afirmou Helena, que hoje mora em Wenceslau Braz (MG).

O atual proprietário da área relatou o ocorrido ao pai do escoteiro, e foi essa a informação que fez Ivo Simon solicitar à Polícia Civil a reabertura das investigações. A reportagem tentou localizar o atual proprietário nessa quinta-feira, para questionar por que o relato ao pai do escoteiro foi feito apenas em maio desse ano, mas ele não atendeu os telefonemas e não respondeu as mensagens.

BOATOS.

Nos últimos meses, Piquete foi palco de uma série de boatos sobre o Caso Marco Aurélio. Um deles dizia que o relato sobre a cova teria sido feito por outra filha de Afonso, Marly Xavier, que morreu no início desse mês, de Covid-19. A família diz, no entanto, que Marly estava intubada, e portanto inconsciente, antes de morrer – ou seja, não poderia ter dado nenhuma declaração antes de falecer.

O outro boato dizia que o relato apontava que Marco Aurélio teria sido morto por João Carlos, que teria transtorno mental, e que teria sido enterrado por Afonso no chão da casa da família, que era de terra.

Essa segunda versão é rebatida pelas filhas de Afonso. “Ele [João Carlos] começou a ter ataques epiléticos quanto tinha 15 anos, mas não tinha dificuldade mental”, relatou à reportagem Marlene, que hoje mora em Delfim Moreira (MG). “Ele tinha ataque epilético, tomava remédios. Às vezes fugia e meus pais achavam. Um dia saiu e ninguém mais achou”, disse Helena. “Isso que estão dizendo, que o João matou o Marco Aurélio, é mentira. Ele não faria isso, e muito menos meu pai, que nem tinha arma”, completou Helena, que disse ainda que a possível cova que ela teria avistado não ficava próxima à casa da família. “Tem um laguinho no sítio, antes de chegar ao restaurante [construído pelos atuais proprietários]. Seria do lado do lago”, afirmou.

Ao contrário de Helena, Marlene não acredita que o irmão e o escoteiro estejam enterrados na propriedade. “Eu não acredito. Já cavoucou tudo lá, mas não tem nada, não acharam nada”.

Caso Marco Aurélio: Polícia reabre inquérito sobre escoteiro que sumiu em 1985 nos Marins

A pedido da Polícia Civil, a Justiça autorizou a reabertura do inquérito sobre o sumiço do escoteiro Marco Aurélio Simon, que desapareceu no Pico dos Marins, em Piquete, em 1985, quando tinha 15 anos.

O inquérito estava arquivado desde abril de 1990, quando as investigações oficiais foram encerradas.

O pedido de reabertura teve como base relatos de uma filha do antigo proprietário da área onde os escoteiros haviam acampado, na base do Pico dos Marins. As declarações dela levantaram a hipótese de que Marco Aurélio poderia ter sido morto e enterrado no local.

Entre as ações previstas pela Polícia Civil estão escavações na propriedade. Ainda não há uma data para isso ocorrer, e também não há uma estimativa de quando essa nova etapa das investigações será concluída.

RELATOS.

Os relatos feitos pela filha do antigo proprietário da área chegaram ao conhecimento do pai do escoteiro, o jornalista Ivo Simon, de 82 anos, em maio. No dia 26 daquele mês, ele, que mora em São Paulo, esteve em Piquete para passar a informação à Polícia e pedir a retomada das investigações.

Com base nos relatos, o delegado responsável por Piquete, Fábio Cabett, solicitou à Justiça o desarquivamento do processo. O pedido foi aceito no dia 24 de junho pela juíza Rafaela D’Assumpção Cardoso Glioche, que atua no fórum local.

“As informações trazidas são, aparentemente, fidedignas. Foram confirmadas por outras pessoas, então a gente precisa investigar”, explicou a magistrada ao jornal.

O inquérito está arquivado em uma empresa terceirizada de Jundiaí, que presta serviços à Polícia Civil. Como a estimativa é de que o processo chegue à Piquete apenas no próximo dia 21, o delegado já foi autorizado a realizar diligências.

As primeiras diligências dessa nova etapa da investigação foram realizadas nessa quinta-feira (15), quando o delegado foi até a propriedade, para um trabalho de reconhecimento. “Provavelmente teremos que escavar lá para ver. Na área tem uma casa, que era uma igrejinha, e já fomos autorizados pelo proprietário a fazer a busca. Teoricamente, temos dois lugares para pesquisar: essa casa e o terreno”, disse Cabett.

Os trabalhos de busca no local devem contar com o apoio de policiais e peritos da região e também da capital. Outra ação prevista é o depoimento de duas filhas do antigo proprietário do imóvel, que moram em Minas Gerais.

Além disso, o delegado informou que também irá apurar informações levantadas por uma investigação paralela feita por parentes e amigos da família do escoteiro, que apontariam que Marco Aurélio ainda pode estar vivo. “Essas diligências no Pico dos Marins seriam para a hipótese de que o Marco Aurélio tenha morrido. Existe outra linha de investigação, de que o Marco Aurélio estaria vivo, e vamos ver isso também”, explicou Cabett.

DESAPARECIMENTO.

Na manhã do dia 8 de junho de 1985, que era um sábado, um grupo de cinco pessoas de São Paulo, formado por quatro escoteiros de 15 anos e pelo líder Juan Bernabeu Céspedes, à época com 36 anos, partiu do acampamento para tentar alcançar o cume do Pico dos Marins, que fica a 2.420 metros. No meio do caminho, a cerca de 1.700 metros de altitude, um dos garotos torceu o pé. Era por volta de 14h. Céspedes autorizou, então, que Marco Aurélio voltasse sozinho ao acampamento, para pedir ajuda, enquanto os demais levavam o rapaz que havia se machucado e que caminhava com dificuldade.

Logo na sequência, em uma bifurcação, Marco Aurélio seguiu pelo caminho da esquerda e Céspedes orientou que o grupo fosse pela direita, por entender que seria impossível, com o menino machucado, superar obstáculos da outra passagem. O líder dos escoteiros acreditava que as trilhas se juntariam adiante, mas isso não ocorreu. O grupo se perdeu e só conseguiu chegar ao acampamento às 5h do dia seguinte. No local, encontraram a mochila de Marco Aurélio fora das barracas, mas o garoto não estava lá.

As buscas se estenderam por cerca de 30 dias e reuniram aproximadamente 300 pessoas, entre policiais civis, militares, mateiros, espeleólogos (especialistas em grutas e cavernas), alpinistas, além de aeronaves. Nenhuma pista do paradeiro do escoteiro foi encontrada.

Passados 36 anos do desaparecimento, o pai de Marco Aurélio celebrou a retomada das investigações. “Acho que é uma grande possibilidade de termos buscas oficiais de qualquer fato novo. Tem gente do Brasil inteiro querendo ajudar. Se vai dar resultado, eu não sei. Mas estamos buscando caminhos novos”, afirmou Ivo Simon.

O jornalista disse ainda desconhecer que tenham sido feitas escavações na área do acampamento naquela época. “O que tivemos, na época, foi uma busca muito bem-feita, até com helicópteros. É considerada a maior busca feita no Brasil. Mas escavação não teve, não que eu saiba”.

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