Ao estudarmos as ideias políticas que antecederam a formulação do, hoje, clássico sistema de separação de Poderes, com seus mecanismos de freios e contrapesos, e a configuração da democracia representativa, encontramos duas preocupações básicas dos conservadores: a limitação do poder político e a redução da influência das paixões políticas nas deliberações de governo.
A limitação do poder político era apontada como uma necessidade, pois era consensual que quem exerce poder tem a tendência ao abuso, ao excesso e ao desvio. A separação de funções ou distribuição das funções estatais entre órgãos distintos, e a vedação da participação concomitante em mais de um deles, por qualquer agente público, foram as soluções encontradas.
Mas ninguém se enganava quanto à independência total dos órgãos do Estado e quanto à inter-relação de suas funções. Em razão disso, criou-se uma complexa engrenagem de freios e contrapesos. Um Poder freia o que tem a iniciativa e este tem, em compensação, ferramentas para impedir outras atividades daquele. Para a mesma atividade estatal um poder tem a iniciativa, mas outro tem o freio.
A elaboração das leis é a função primordial do Poder Legislativo, mas muitas são de iniciativa exclusiva do Poder Executivo que, também, pode vetar (impedir) as que discorda e, por último, o Poder Judiciário pode verificar a compatibilidade da proposta com os limites consagrados na Constituição.
O sistema pressupõe o entendimento entre quem “pode acelerar, quem pode frear e que impõe os limites de velocidade”. A independência e a harmonia entre os Poderes são condições para o funcionamento do Estado. Os mais comuns institutos de freios e contrapesos são: a iniciativa de lei, o veto, o controle de constitucionalidade, o princípio da legalidade (sujeição à lei pelos Poderes Executivo e Judiciário), a nomeação da cúpula do Poder Judiciário pelo Executivo, a possibilidade de voto de desconfiança, dissolução do parlamento e impeachment.
Os conflitos insolúveis entre os Poderes Executivo e Legislativo, no âmbito dos regimes parlamentaristas, são solucionados pelo voto de desconfiança, que implicará na queda do Primeiro Ministro, que é o Chefe de Governo, e/ou pela dissolução do Parlamento, com a convocação de novas eleições. Há no regime parlamentarista maior equilíbrio, pois ambos os poderes políticos têm ferramentas para a “solução final”.
Já nos regimes presidencialistas, somente o Congresso Nacional tem a “solução final” com o impeachment do Presidente. Por isso, é considerado o “regime da irresponsabilidade política do Poder Legislativo”. Quem não tem nada a perder, tende a não ser responsável.
Nos regimes presidencialistas, em razão da gravidade da “solução final” a cargo do Poder Legislativo e da inexistência de “solução final” contra ele, o Poder Judiciário acaba assumindo o papel de responsável pela solução de conflitos. Ele pode liberar o Poder Executivo de cumprir deliberações do Poder Legislativo.
Essa assunção do papel de árbitro dos conflitos entre os poderes políticos (Legislativo e Executivo) teve sua construção nos Estados Unidos da América do Norte. O primeiro conflito sério, cuja solução lançou as bases teóricas do sistema de controle de constitucionalidade dos atos dos poderes políticos pelo Poder Judiciário, foi o caso Marbury x Madison, julgado em 1803.
Um Presidente, ao perder as eleições e a maioria na Câmara, ampliou os poderes do Poder Judiciário, funções e o número de Juízes, mas não teve tempo hábil de dar posse a todos. Um dos que não puderam tomar posse pediu na Justiça e a Suprema Corte dos Estados Unidos, ao julgar o caso, assentou ser da essência do sistema americano o governo limitado, sob as “raias fixadas na Constituição”, e que qualquer violação, abuso ou excesso, é nulo e cabe ao Poder Judiciário dizer se a lei e todos os atos de Governo estão conforme as “raias” fixadas. Sem previsão expressa na Constituição, a Suprema Corte avocou para si o papel de “dar a solução final” nos conflitos entre os poderes.
Na Europa, sob governos parlamentaristas, prevaleceu o entendimento da supremacia do Parlamento, dogma só afastado após a Segunda Guerra Mundial, ante os flagrantes abusos de regimes violadores de direitos humanos. Nas décadas de 50 a 80 dos anos 1900, a maioria dos países europeus elegeu o Poder Judiciário, Cortes Constitucionais, como órgão Estatal a dar a palavra final aos conflitos, em especial quando se está em discussão o “que é constitucional”.
A segunda grande preocupação dos “conservadores” dos Estados que passaram por revoluções liberais ou sofreram a influência (quase toda Europa e América), era com as deliberações de governos tomadas no “calor das paixões”, por interesses de quem não tinha poder e em ambientes sujeitos a pressões. Três são as ferramentas criadas: a prevalência da democracia representativa, reduzindo-se o uso de ferramentas da democracia direta; uma Câmara Legislativa Conservadora, responsável pela revisão legislativa (Câmara dos Lords ou Senado); e um rol de direitos invioláveis, por deliberações coletivas, sob guarda do Poder Judiciário, “cláusulas pétreas”, inicialmente para proteção dos direitos liberais, que, por ironia, é utilizado para efetivação dos direitos econômicos e sociais, e para proteção dos direitos das minorias.
A doutrina da representação política (o Parlamentar é eleito para legislar para todos e não para seus eleitores), sem possibilidade de recall (pedido de destituição do Parlamentar), é a ferramenta para libertar o Legislador das paixões e pressões momentâneas de seus eleitores e permitir que ele, com independência e autonomia, legisle para o bem comum.
Mas se o Corpo Legislativo comum (representação dos eleitores) eventualmente exceder, sofrer influência ou legislar por pressões, cabe à Câmara Revisora (Senado, com mais expediência e estabilidade) frear os excessos e os “arrojos populares”.
Não satisfeitos com os mecanismos políticos de “freio das paixões populares” e assombrados com os modelos de governos plebiscitários, sobretudo para preservação dos “sagrados direitos de propriedade e liberdade”, são inseridos nos textos constitucionais princípios e regras vinculatórias, dotados de supremacia ante aos poderes políticos, rotuladas de “cláusulas pétreas”, contendo direitos, competências, atribuições de órgãos, independências, autonomias, enfim, uma rigidez institucional, sob a guarda e proteção do Guardião da Constituição, função do nosso Supremo Tribunal Federal.
Assim, todas as modificações, inovações, novidades de governos (mesmo que representem anseios da população) ou bandeiras políticas de governantes eleitos, precisam passar pelo crivo do Supremo Tribunal Federal. Na prática, ele é o intérprete final da Constituição. Ele dá a palavra final sobre os conflitos dos poderes políticos e tem a missão de frear os excessos, os abusos, as paixões e de fazer todos, inclusive o POVO, andarem nos limites das raias fixadas pela Constituinte.