Guilhermo CodazzI

Todo rio que corre livre já é (a)mar

Dias atrás, lembrei-me dos trechos deste pequeno poema, intitulado 'Rio Invisível'

Por Guilhermo Codazzi, editor-chefe de OVALE | 12/12/2021 | Tempo de leitura: 2 min

Guilhermo
Guilhermo

Sim.

Um rio corre dentro de mim e, assim, leva as águas lá de onde eu vim. É um rio brasileiro, paulista e tupiniquim, rio estrangeiro exilado, enfim... é um rio que passa ligeiro, voa nas asas de um passarinho. Um rio de janeiro de Taubaté que deságua por inteiro uma saudade sem fim.

Dias atrás, lembrei-me dos trechos deste pequeno poema, intitulado 'Rio Invisível', que escrevi há alguns anos, após ter lido o livro homônimo de Pablo Neruda (1904-1973). A lembrança surgiu enquanto eu lia uma publicação da revista Nature, com um dado impressionante. Qual?

Um terço.

Reza a ciência, que só um terço dos grandes rios do planeta hoje correm livremente. Sete em cada 10 deles, relata o estudo, já são como passarinhos engaiolados que não encontram mais o canto em algum canto para cantar. Sua natureza dorme um sono profundo no leito do rio que já foram -- e já não são mais, graças aos impactos de barragens, hidrelétricas e à degradação ambiental.

Há violência maior do que não ser? E quantas lágrimas represadas choram os rios que tiveram o curso alterado pelo homem?

O levamentamento examinou 12 milhões de km de rios e descobriu que 90 dos 246 rios com mais de 1.000 km de comprimento fluíam sem interrupção. Desse total, um quarto dos rios longos que fluem em liberdade para o mar ainda preservam seus cursos naturais, serpenteando, em geral, por áreas remotas.

Um terço?

Reza a poesia de Neruda que há rio invisível correndo dentro de nós, moldando-se ao relevo sinuoso que a vida desenha com as suas cores múltiplas e esculpe com o tempo -- o tempo todo.

Corre livremente?

Ou enfrenta sentimentos represados, desfiladeiros e mudanças bruscas em seu curso?

Um terço!

Reza a poesia de Fernando Pessoa (1888 - 1935) que não há rio como aquele rio que corre em minha aldeia -- nem mesmo o Tejo. Creio que nós encontramos as respostas às perguntas cunhadas mais acima quando, mesmo longe, voltamos a molhar os pés de menino no rio invísivel da aldeia que deságua no peito, levando as água de onde viemos.

Que somos. Afinal, todo rio que corre livre já é (a)mar.

NOTAS

RIO PARAÍBA

É um dos três rios

mais importantes da minha vida, já que sou nascido em Taubaté, no vale que é cortado por ele.

RIO DE JANEIRO

O Rio de Janeiro foi a morada da minha avó materna. No poema, refere-se também ao fato de eu ter nascido em janeiro.

RIO DA PRATA

No poema que abre o texto, a expressão um rio estrangeiro refere-se à minha mãe, nascida em Buenos Aires (ARG).

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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