Os diplomas que finalmente pendurei na parede do apartamento, após uma temporada reclusos na escuridão de uma caixa qualquer, me apontam o dedo em riste e me fazem lembrar de um sobrenome que não carrego mais nos meus documentos. Eu sou o terror da minha mãe. De tias, também. Certamente, seria das minhas avós. Escandalosamente, sei que sou de parentes mais velhas. Eu sou uma mulher divorciada. Não bastasse isso, sou nulípara – isto é, não tenho filhos. Seria eu triste, louca ou má, Juliana Strassacapa?
Há três anos, quando minha decisão sobre o término de 13 anos de matrimônio se tornou irrevogável, foi penoso para a minha mãe, que sempre reclamara do meu pai e com quem esteve casada por três décadas até o falecimento dele, compreender a “chegada do fim”. A verdade é que também o fora para mim. Da mesma forma, a sociedade me mostrou algum ressentimento. Logo quando me separei, passei a escutar uma cantilena fastidiosa de conhecidos do tipo “Você é jovem e bonita. Daqui a pouco, encontra alguém”. Embora pareça uma tautologia elogiosa, a afirmação parte do pressuposto de que, para ostentar um relacionamento amoroso, a mulher careça de tais predicados ou estaria fadada – contém ironia! – a ser solteira. Da premissa, subentende-se ainda que eu “deveria” encontrar alguém. O tempo, senhor soberano, mostra-me em doses nada homeopáticas que se eu me encontrar durante a minha própria caminhada já será um feito e tanto.
Se a novíssima Lei do Divórcio, de 1977, me permitiu terminar legalmente um casamento civil, ainda não existe um instrumento de direito que eu possa validar em cartório e apresentar, quando questionada, sobre o porquê de não ter filhos. Tenho 41 anos e ainda é difícil para a sociedade engolir a seco o fato de eu ser nulípara, visto que não há lei alguma que me proteja do julgamento alheio por não ter me submetido às dores do parto e, desta feita, aos prazeres e dilemas existenciais da maternidade.
Passados 2.022 anos depois de Cristo, a discussão a respeito de ter filhos está no bojo sobre o que é ser mulher, passando a ser quase uma validação da natureza sobre a fêmea que se é. Seguir o caminho contrário e destino comum de tantas outras mulheres da sociedade é uma decisão solitária – e falo isso sentada num confortável trono de privilégios, pois, sou branca, cisgênero e hetero.
Ainda assim, encontro-me minoria dentro de uma minoria e é inconteste que, mesmo numa egrégora feminina, olhares pesarosos recaiam sobre mim por tal motivo, sendo que eu mesma não sinto pesar algum. Aliás, já cheguei a sentir-me mal pelo assunto da maternidade intimamente não me levantar a gastura proposta. Até que ponto as nossas decisões são ancoradas no miolo de nosso “eu interior” e até onde a arbitragem de nossas escolhas seguem manipuladas por cordas invisíveis, talvez por isso mesmo tão fortes, de um patriarcado antiquado e desalinhado com o benquerer próprio de uma mulher autônoma?
Ser um peixe que nada contra as águas do rio para cair no riacho do navio é experimentar paragens que o cardume sequer sabe a existência. É ser livre. Reduzir a mulher àquela que casa e que é mãe é tão pouco. Podemos, também, casar e ter filhos, se assim quisermos, guiadas pela lamparina do coração. Mas, não só.