Vivacitá

Todas as mulheres nascem iguais?

Realidades como a do Afeganistão mostram que apesar de ser um direito, infelizmente, as mulheres não nascem livres, nem em condições igualitárias

Por Daniela Borges | 18/01/2022 | Tempo de leitura: 5 min

O Brasil já acolheu sete juízas, três magistrados e seus familiares, formando um grupo de 30 pessoas no total. "Tenho pautado a minha atuação pela defesa dos direitos das mulheres e contra a violência de gênero. Eu não poderia ficar de braços cruzados sabendo que mulheres como eu, juízas como eu, mães como eu, podem ser executadas simplesmente por exercerem a sua atividade profissional", explica Renata que é a primeira mulher presidente da AMB em 70 anos de existência da entidade.

Mesmo ao chegar ao Brasil, as juízas tiveram que passar um tempo escondidas. "O que mais me impressionou foi o olhar delas ao desembarcar: um misto de medo, tristeza e alívio. Deixar uma vida inteira para trás, com certeza, é dificílimo. Por isso, nós nos solidarizamos", conta. 

A gestão da juíza frente à AMB tem chamado a atenção pelas ações concretas em benefício das mulheres. No início da pandemia, ao perceber que os índices de violência contra a mulher estavam em franco crescimento, criou a campanha "Sinal Vermelho Contra a Violência Doméstica". "Aprovamos, recentemente, a criminalização da violência psicológica contra a mulher e a Lei do Sinal Vermelho, que possibilita a vítimas de violência doméstica pedir socorro por meio de um 'X' vermelho na palma da mão. Esses são exemplos de conquistas recentes, que precisam ser aprofundadas no futuro". A intenção é internacionalizar o projeto para que o sinal seja reconhecido no mundo todo.

Uma outra iniciativa corajosa e arriscada é a da grafiteira afegã Shamsia Hassani, que tem utilizado a sua arte para dar voz às mulheres em seu país, considerado o mais perigoso do mundo para uma mulher. "Esse exemplo é maravilhoso, pois ela encontrou dentro da sua realidade o que ela poderia fazer. Alguém pode até dizer que os desenhos dela não mudam o mundo, nem impedem que uma mulher afegã seja assassinada, mas ela traz para o debate público e a existência dela naquele espaço e já é um exemplo de resistência", afirma a doutora em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito  da USP, Luciana Marin Ribas, que também é mestra em Direito Constitucional pela PUC-SP, ativista de direitos humanos e assessora do Fórum da Cidade em Defesa da População em Situação de Rua de São Paulo.

"Às vezes nos sentimos muito pequenas e impotentes quando vemos o tamanho do problema, mas é importante que a gente reconheça nossas capacidades e limitações. Dentro da minha rotina, do meu tempo, da minha realidade, da minha condição social, o que consigo fazer? " questiona Luciana.

Direitos. Assim como no Afeganistão, há localidades em que as mulheres vivem sob o domínio do medo. O primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos  diz: "todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos (...). Na prática, não é bem assim.

"A Declaração é o reconhecimento que os Estados precisam respeitar os direitos mínimos para a dignidade de todas as pessoas e uma resposta imediata a fatos históricos de violações graves", explica a doutora. Ela mesma reconhece que estamos longe das previsões contidas nesse documento. "A depender do local onde você nasce, qual for a cor da sua pele e qual seu gênero, você vai viver mais ou menos, e com qualidade de vida diferente, um exemplo disso está na comparação da expectativa de vida entre países do cone sul e hemisfério norte, ou os índices de mortalidade infantil", aponta Luciana.

Portanto, não nascemos iguais. E no caso das mulheres, esse cenário é ainda mais escancarado.  "Não podemos discutir gênero sem falar do recorte social e racial, em especial na realidade brasileira com o histórico de exploração e escravidão que tivemos e que enfrentamos até hoje", afirma. "Se você não aborda classe, raça e gênero, você vai acabar perpetuando algum privilégio e contribuir para a continuidade da opressão", completa. 

Luciana menciona que algumas lutas do movimento feminista historicamente se restringiam no acesso ao mercado de trabalho, com muitas mulheres brancas pleiteando por isso, porém, as mulheres negras sempre estiveram trabalhando fora, sendo mal remuneradas, inclusive, ajudando as mulheres brancas no trabalho doméstico. "Veja, se não olharmos para o todo e irmos além da nossa realidade, enxergamos somente parte do problema e corremos o risco de perpetuar alguma forma de opressão", afirma. 

Para ela, a maior desigualdade enfrentada pela mulher brasileira é a racial. "Sou uma mulher branca e apesar de trabalhar em um ambiente bem acolhedor, ainda persistem práticas que só quem é mulher percebe. São comentários em uma reunião, as interrupções, as críticas mais resistentes. Mas eu reconheço que isso são detalhes perto do que mulheres negras enfrentam". 

E a questão fica ainda mais complicada com mulheres negras mais pobres. Não há como negar que essas mulheres são as mais exploradas pelo sistema. "O racismo é o que mais mata, exclui e violenta no nosso cenário nacional e por isso é a pior desigualdade que temos que enfrentar".

Mudar esse cenário de desigualdade requer o acesso à informação e à educação, segundo Luciana. "Não a educação formal, mas a educação cidadã, uma educação humanitária, que desenvolva a empatia e a sensibilidade nas pessoas. Também a convivência dos diferentes. Só a convivência real é que conseguimos enxergar e experimentar outras realidades diferentes da nossa". 

Outra sugestão é buscar a união, participando de coletivos, fóruns e outras iniciativas. "E temos a obrigação de incentivarmos as candidaturas de mais mulheres aos cargos do Executivo e Legislativo e, no momento do voto, podemos sempre votar em candidatas mulheres. Não adianta, ninguém hoje me convence a votar em homens. Só voto em mulheres e todas que foram eleitas não me decepcionaram", sugere Luciana.

Educação em direitos humanos, representatividade, mobilização social e união de todas nós. "Ainda temos muitas mulheres que não conhecem seus direitos, que não conseguem reconhecer um ciclo de violência, um relacionamento abusivo, que ainda se submetem a situações vexatórias porque acreditam que não possuem outra alternativa. Sempre há alternativa, mas é importante que a gente tenha coragem para enfrentar", finaliza.

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