Há muita beleza num dia nublado. Repare bem! Um dia com o sol entre nuvens é um céu a pensar. Ele ainda não se decidiu sobre o que vestir. Está a refletir, oras. Quem nunca ficou em dúvida na escolha do figurino que atire a primeira pedra.
Tenho um respeito inconteste por dias nublados. Eu, que sou indecisa, os compreendo bem. Identifico-me até. Acho natural e minimamente razoável que existam dias que não sabem se chovem ou fazem sol. É como ser aquele ponto intermediário num debate. A coluna do meio entre duas opções. O degradê na escala das cores. Dia nublado é um céu que está a se decidir sobre o que fazer naquele instante. É o firmamento a pensar sobre a própria existência.
Parece-me uma conversa das boas. Talvez uma DR (discussão de relacionamento) entre sol e nuvem. Não me atreveria a tomar partido. Esse é um papo que pode se estender por horas e, a julgar o estado emocional de ambos, a peleja pode ter gritaria em forma de trovões. Vocês que são celestes que se entendam!
Se chover, a água pode descer gloriosa e exibida, do tipo que nos encharca as sobrancelhas ou cair desenxabida, quase que a nos pedir desculpas, igual àquela de quando o chuveiro está com os buraquinhos entupidos. Para espanto dos mais céticos, pode ocorrer o imprevisível que é não cair um pingo d’água sequer – a alegria resoluta de quem deixou roupa no varal ou fez escova no cabelo.
E, quando não chove, podemos experimentar um dia abafado, com correntes de calor a nos percorrer o corpo assim como se queixam as mulheres na menopausa. Como meros figurantes do verdadeiro espetáculo que vem lá de cima, a gente pode ainda se surpreender com aquele lépido frescor ao toque aveludado de uma brisa, capaz de arrepiar os pelos dos braços daqueles mais friorentos.
Curiosos, olhamos de soslaio e nos colocamos a reclamar sobre a indefinição celeste. Eu, não. Acho é bonito quem para tudo para pensar sobre si. Um céu nublado é pura filosofia. E – admito! – tenho eu uma queda por quem curte um pós-socrático. Quem discordaria que a decisão irrevogável de chover ou “ensolarar” seja a mais pura epifania superior?
Dias atrás, foi eu quem acordou nublada. Estava que era uma nuvem só! A lua já cumpria expediente quando finalmente decidi chover. Depois que a minha vida ansiosa se precipitou numa tempestade de água salgada, chovi até a última lágrima. O arco-íris veio logo, transmutado na
sensação aprazível de que só alguém que resiste às intempéries do seu clímax interior sabe reconhecer. Cansada, era hora de dormir vestida de sol da meia-noite.