Interfonei para avisar que chegara. Escutei que deveria esperar um pouco antes de subir até o terceiro andar. Obediente como de costume, aguardei no saguão térreo enquanto olhava o celular e me desiludia com uma resposta que não vinha. E não veio.
Passados dez minutos, fui convidada a subir. No cubículo do elevador, senti-me à vontade. E era tranquilizador olhar para a porta de madeira do meio de transporte dito o mais seguro do mundo.
“Boa noite! Como vai?”, disse. E o ritual se manteve como de costume. Embora tenha aceitado a bebida sabor maçã com canela, pensei que estava muito quente para tomar chá. Seria uma oportunidade para, vez ou outra, baixar a máscara, artigo até então obrigatório nestes tempos de pandemia – ponderei comigo mesma.
Comentei da planta do lugar. Lembrei da nossa piada cúmplice. “Fique tranquila, pois ela é mudinha”. Rimos. A princípio, só quis ser simpática, como de costume. Depois, veio mesmo a vontade de rir.
Relatei os causos mais recentes da vida. Senti um cansaço. Era sexta-feira à noite. A pandemia do coronavírus mudara-me por dentro e por fora. O ventilador não dava conta da temperatura alta do ambiente. Cogitei secretamente se não estaria me sentindo mal mais por algo interno do que externo.
Até que aconteceu... Ouvimos uma zoada. Foi como se uma estranha surgisse na sala sem ser convidada e invadisse a privacidade da sessão de terapia. “O galão de água gorfou”, apressei-me em dizer. Ambas nos assustamos com o barulho invasivo do item da copa ao lado. “É gorfar ou golfar?”, questionou a psicóloga.
Curiosa, Renata pesquisou no celular a escrita correta. Intimamente, porém, eu estava convicta de que a gramática iria dizer que o certo seria “gorfar” com “r”. O calor inicial do local deu espaço para um ar de autoconfiança e entendimento de que, sim, a morfologia da palavra estava ao meu lado e a me fazer cafuné. “É golfar com ‘l’!”, admirou-se a terapeuta.
Mentalmente, julguei-me. Estava constrangida. Fora desvendada justamente pela psicóloga. “Provavelmente, não era a primeira vez”, refleti. Num autoveredito rápido e sem formalidades, condenei-me culpada e num riso amarelo, felizmente escondido por trás da máscara, admiti surpresa e incredulidade.
E, como quem estava já conformada com o fato de terem me tirado a máscara – no sentido figurado –, comecei a golfar. Fiz tudo no tapete. Golfei palavras caladas, emoções escondidas e sentimentos travados. Fui embora leve.
Em casa, tão logo vi o tapete da sala, golfei o lado avesso de mim que sequer conhecia. Como uma criança que regurgita o excesso de leite materno bebido, expurgava as dores. Estava aprendendo a digerir a vida. Antes de dormir, precisava ligar para ela. A noite já havia avançado, mas nunca é tarde para dizer: “Mãe, eu te amo!”.