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Caso Marco Aurélio: 36 anos depois, líder dos escoteiros prefere não falar sobre caso

Por Julio Codazzi |
| Tempo de leitura: 8 min
Caso Marco Aurélio. O líder dos escoteiros, Juan Bernabeu Céspedes
Caso Marco Aurélio. O líder dos escoteiros, Juan Bernabeu Céspedes

Líder do grupo de escoteiros de São Paulo que tentou subir o Pico dos Marins, em Piquete, no dia 8 de junho de 1985, Juan Bernabeu Céspedes não gosta de falar sobre o episódio – que resultou no desaparecimento de Marco Aurélio Simon, então com 15 anos.

Desde a última segunda-feira (19), a reportagem mantém conversas com o espanhol, que após o sumiço do jovem se mudou para Manaus (AM), onde vive até hoje e atua como advogado.

O objetivo era repercutir com Juan a notícia de que a Polícia Civil reabriu o inquérito, que havia sido encerrado em 1990. “Somente poderei me manifestar após o resultado dessa pesquisa [a investigação policial], e se for positivo [ou seja, se algum fato novo for descoberto]. Caso contrário, me desculpa, mas nada há para dizer, já está tudo no processo”, afirmou o espanhol ao jornal.

Juan evita falar sobre o caso porque, após o sumiço de Marco Aurélio, várias das decisões do então líder dos escoteiros foram questionadas, como o fato de tentar atingir o cume da montanha sem a ajuda de um guia ou por ter autorizado o jovem a descer sozinho, antes do restante do grupo.

Em breve, Juan planeja lançar um livro para contar a versão dele sobre o caso. O material, que já foi escrito pelo espanhol, passa agora por um processo de revisão, que está sendo feito pelo pai de Marco Aurélio, Ivo Simon, que é jornalista.

Não há previsão de quando o livro será publicado. Enquanto isso, Juan mantém o silêncio. “Me desculpe, nada contra a imprensa, mas prefiro aguardar os acontecimentos, para depois me manifestar ou não, vez já ter sido massacrado por diversas vezes e, quanto maiores os comentários, maiores os adivinhos, sábios, palpiteiros, que na realidade só servem para prejudicar”, disse o espanhol ao jornal essa semana.

LIVE.

Desde que se mudou para Manaus, Juan falou publicamente sobre o episódio apenas uma vez, no ano passado, em uma live promovida pelo canal Programa Conexão UFO – pelos relatos de acontecimentos misteriosos e pelo fato de Marco Aurélio nunca ter sido encontrado, o caso atraiu o interesse de ufólogos.

Na live, o espanhol disse que a expedição começou a ser planejada ainda em 1984, quando os paulistanos foram desafiados a subir o Pico dos Marins por um grupo de escoteiros da região de Piquete.

Inicialmente, a viagem seria feita por um grupo grande de pessoas. “Era para ir o grupo inteiro. Escoteiros, lobinhos, bandeirantes. Aproximadamente 100 pessoas iriam acampar. Subir o Pico, somente os sênior. Mas os outros também iriam para aquela área”, disse Juan. “O pessoal foi desistindo, foi desistindo, e sobraram apenas quatro seniores. Até o chefe da sênior desistiu”, acrescentou. “O pai do Marco Aurélio era para ir também. Deixou de ir na véspera”, concluiu.

DESISTÊNCIAS.

O grupo que embarcou para Piquete no dia 7 de junho, uma sexta-feira, era formado por apenas cinco pessoas: Juan, então com 36 anos, e quatro escoteiros de 15 anos – Marco Aurélio, Osvaldo Lobeiro, Ricardo Salvioni e Ramatis Rohm.

Os quatro escoteiros eram do ramo sênior. “O sênior é o rapaz de 15 a 18 anos. Nessa idade, eles precisam ter ao menos um desafio por ano”, explicou o espanhol.

O grupo de São Paulo, que já viajou bastante reduzido, ainda se deparou com outra desistência logo após desembarcar em Piquete. “Quando chegamos ao local, eu estava aguardando a tropa sênior de lá, que iria com a gente para o Pico. Daí nos disseram que não ia, mais, que a tropa sênior [da região de Piquete] foi acampar em outro lugar. Foi uma surpresa para nós”, disse Juan.

ACAMPAMENTO.

No primeiro dia, o grupo montou acampamento em uma propriedade que fica na base da montanha. No local morava Afonso Xavier, que era uma espécie de guia do Pico dos Marins, com a esposa e quatro filhos – três filhas, que dividiam com os pais uma casa simples, de um cômodo somente, e um filho, que morava em um quarto construído do lado de fora.

Na live, Juan relatou que “coisas estranhas” ocorreram nesse dia. “Nós fomos para um rio, tomar banho. Isso foi à tarde, umas 14h ou 15h. Quando retornamos, encontramos as panelas fora do lugar, jogadas no chão. Alguém tinha estado lá [no acampamento]. Perguntei para o Afonso, ele disse que era cachorro do mato. Achei estranho”, disse. “Para mim, não houve isso [de cachorros]. Alguém atacou a gente”, completou.

De madrugada, outra coisa chamou a atenção de Juan. “À noite estávamos dentro da barraca, com a barraca fechada, por causa do vento e do frio, e [algo] bateu na lona. Fomos ver, não tinha mais ninguém. Mas era alguém que estava batendo lá. Aí fiquei sabendo que o filho do seu Afonso, que só vi duas vezes, ou três no máximo, não simpatizou com nós [sic]”, disse. “Eles [Afonso e esposa] até comentaram: ‘ele [o filho do casal] não está bom da cabeça’. Ele tinha problemas mentais”, acrescentou.

SUBIDA.

No sábado pela manhã, o grupo partiu para tentar alcançar o cume do Pico dos Marins, que fica a 2.420 metros. Na live, Juan negou a versão de que Afonso teria se disponibilizado a acompanhar os escoteiros. “Em momento algum [Afonso] disse que ia subir junto. Se tivesse dito, eu teria aceitado, com maior prazer”.

No começo da caminhada, outra coisa chamou a atenção do espanhol. “Tinha uma barraca grande, que pesa aproximadamente 60 quilos. Estava montada naquele local [no meio do mato], escondida. Não tinha ninguém dentro”, lembrou.

A cerca de 1.700 metros de altitude, Osvaldo se machucou. Era por volta de 14h. “O Osvaldo caiu. Pisou em falso, se machucou”, disse Juan.

O grupo, então, desistiu da subida e tentou improvisar uma maca com pedaços de árvore, mas não conseguiu. “Ele [Osvaldo] pesava 65 quilos, 70 quilos. Para carregar, não era fácil”, afirmou o espanhol. “O Ramatis era baixinho, não tinha condições físicas para isso. O Marco Aurélio, fraco e baixo, não tinha condições físicas. Sobrou para quem? Para o Salvioni e para mim”.

DIVISÃO.

Na sequência, segundo Juan, o grupo discutiu a possibilidade de um escoteiro descer na frente, usando um giz para sinalizar o caminho que havia tomado, enquanto os demais ajudavam Osvaldo a descer a montanha. “O Ramatis se ofereceu: ‘eu posso ir na frente, e ir marcando’. Falei: não, espera aí, você não tem treinamento, não tem prática. O Marco Aurélio falou: ‘eu posso fazer’”, recordou o espanhol. “O mais adiantamento de todos eles, era ele [Marco Aurélio]. Era o que tinha mais prática, vivência. Tinha passado todas as provas”.

Na live, Juan ressaltou ainda que, no episódio do desaparecimento, Marco Aurélio já era mais velho do que nas fotos divulgadas pela família após o sumiço. “A foto que foi publicada era de três anos atrás, era uma criança [na foto]. Mas de 12 para 15 anos, a diferença é grande. Ele não era mais aquela criança, era um rapaz”.

Ao chegar a uma bifurcação, Marco Aurélio seguiu pelo caminho da esquerda, mas Juan orientou que o grupo fosse pela direita, por entender que seria impossível, com Osvaldo machucado, superar obstáculos da outra passagem. “Tinha uns três metros e meio de altura. Para descer isso com uma pessoa machucada, não é fácil. Foi aí quando o vimos pela última vez. Ele [Marco Aurélio] estava embaixo, e nós lá em cima”, lembrou.

O líder dos escoteiros acreditava que as trilhas se juntariam adiante, mas isso não ocorreu. “Fizemos esse desvio, não deu para voltar mais. Era muito difícil para voltar. Então fomos à frente”.

RETORNO.

Para piorar a situação, o grupo se perdeu e só conseguiu retornar ao acampamento às 5h do dia seguinte. No local, encontraram a mochila de Marco Aurélio fora das barracas, mas o garoto não estava lá. Chovia muito no momento.

“Antes de sair, tinha sido dito: ‘fechem as mochilas, tudo fechado, barraca fechada’. Quando chegamos, a barraca tinha dois polos: o polo da porta estava caído, derrubado, e a mochila do Marco Aurélio estava fora, aberta. Justamente a dele”, lembrou Juan.

O grupo descansou por cerca de 30 minutos. Na sequência, o espanhol voltou para a mata sozinho, em busca do escoteiro desaparecido. “Já era horário adiantado. Descansamos pouquinha coisa e, já de manhã, levantei e fiz todo o percurso sozinho, tentando encontrar”.

Na live, Juan justificou a escolha por ter feito sozinha essa primeira busca. “Não pode correr na mesma velocidade um rapaz de 15 anos e eu, que tinha quase 40 anos. Eu fui muito mais rápido. Eles tinham dificuldade na subida, que era pesada”.

MISTÉRIO.

O primeiro dia de buscas, o domingo, foi feito apenas com a ajuda de outros grupos de escoteiros. Nada foi encontrado.

No fim da noite, novo mistério. Juan e o trio de escoteiros de São Paulo ouviram gritos e apitos vindos da mata, e também viram uma luz que não souberam explicar a origem. “Ouvimos uns gritos, parecia a voz do Marco Aurélio, e uns apitos. E ele tinha apito”, disse o espanhol. “Abrimos a porta e vimos a luz. Era uma luz muito forte”, acrescentou. “Como se tivesse alguém vindo pela trilha”, continuou. “Não era uma luz azul, mas era uma luz que tinha mais tendência para o azul do que para o branco ou o amarelo. E oscilava. Como se fosse alguém andando. Estava em cima da gente, saímos correndo para ver e, quando chegamos lá, tudo escuro”.

BUSCAS.

Segundo Juan, a Polícia chegou ao local apenas na segunda-feira. Para o espanhol, falhas ocorridas nos primeiros dias de busca prejudicaram a investigação. “O pessoal da cidade, os mateiros, invadiram a área, mas sem uma organização. Então, qualquer vestígio, que por acaso tivesse, foi apagado, com tanta gente passando por lá”.

A Polícia chegou a desconfiar que Juan pudesse ter matado Marco Aurélio e escondido o corpo do jovem escoteiro. “Eu fui torturado”, lembrou o espanhol. “[Mas] não posso confessar o que eu não fiz”.

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