Ideias

pensando aqui com os meus botões...

Por Guilhermo CodazziJornalista e escritor, editor-chefe de OVALE e Gazeta de Taubaté. | 28/09/2019 | Tempo de leitura: 2 min

Imbatível. Este adjetivo define o meu Grêmio, com a exatidão de um lançamento de Gérson.

O melhor time de futebol do mundo, ao menos do meu mundo. O escrete era formado por dez craques de plástico branco e o guarda-metas instransponível!

Uma muralha que poderia ser confundida com uma caixinha de fósforo abarrotada de areia, pedras e chumbinho, envovida por fita crepe e durex.

Era um time de meter medo.

E olha que lá em casa a concorrência era das maiores. Junto com o Julio, irmão um ano mais novo (sou de 1981, ele de 1982), tinha uma coleção de 300 equipes de tudo quanto é canto do mundo e de diferentes modelos.

Alguns comprávamos na loja, com o dinheiro do lanche escolar, outros (a maioria) nós mesmos confeccionávamos, com o vidro de tampas de relógio, tampinha de refrigerante, botões de camisa e palhetas.

Perdíamos dias e dias recortando jornais e revistas, à procura de distintivos raros, depois, com a folha de sulfite cheinha de escudos, era só tirar dez cópias no xerox perto de casa, ali no Bom Conselho, e lá estava o time novinho em folha! Todos os jogos eram registrados em um caderno, que se transformava em uma espécie de súmula botonística.

E, em meio àquela numerosa coleção, que ia desde o Tubarão aos times da J-League, o campeonato japonês, o Grêmio era o número 1. Vitória garantida!

Chiquinho, Julio, Fernando e Dimas eram meus fregueses. Só não pediam CPF na nota porque naqueles tempos não existia Nota Fiscal Paulista. Jogo após jogo. E o Grêmio era o único invicto, meu orgulho.

Aos poucos, com o passar do tempo, percebi que as vitórias começaram a ter outro sabor.

Um gosto diferente, amargo.

A cada triunfo, contraditoriamente, eu sentia que a derrota avizinhava-se. E o medo de ser derrotado e perder a invencibilidade deixavam-me com um baita frio na barriga.

E isso ia piorando, piorando… quando o adversário pedia 'pro gol', indicado que ia fazer um arremate, eu mexia o goleiro para cá, para lá… havia um medo danado de sofrer um gol. De perder. Então, em uma manhã qualquer, logo nas primeiras horas, peguei o meu time do Grêmio, todos os jogadores, um a um, e pus em uma caixa de sapato.

Ele não retornaria aos campos.

O Grêmio pendurou a palheta invicto en la cancha. Mas derrotado no placar da alma.

Há alguns anos, ao ler uma poesia do mineiro Carlos Drummond de Andrade, na dedicatória de um livro, recordei-me da história do Grêmio, aquele grande time de futebol de botão.

"A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade".

Hoje, muitos e muitos anos depois, pensando aqui com meus botões, posso dizer que aquela foi a maior derrota que já sofri nos campos de botão.

Foi o meu Maracanazo..

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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