A Câmara de Campinas conseguiu, mais uma vez, produzir seu próprio terremoto político. Em uma coluna recente, quando avaliava o ano caótico do Legislativo, escrevi que ainda havia tempo para que os vereadores inventassem mais um problema. Não demorou muito: ele veio. E veio grande. A criação de 105 novos cargos comissionados, sendo 99 destinados aos gabinetes, é a mais nova “obra de arte” da Casa, acrescentando mais um capítulo ao que já podemos classificar, sem exagero, como uma das legislaturas mais fracas e tumultuadas da história recente.
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Nada deste enredo, claro, é novidade. A discussão sobre o tamanho dos gabinetes e o número de assessores já provocou embates duríssimos com o Ministério Público nos últimos 15 anos. Houve idas e vindas, recomposições, intervenções e recomendações — sempre na tentativa de impedir a expansão desenfreada dos cargos de confiança. E, como num roteiro repetido, a Câmara volta agora ao mesmo ponto, mantendo viva a tradição de testar os limites da opinião pública.
Os vereadores e a Mesa Diretora afirmam que Campinas tem menos assessores que outros Legislativos de cidades semelhantes e que as demandas crescem em ritmo acelerado. É verdade que os números apresentados pela consultoria FIA/USP indicam uma defasagem quando comparados a exemplos como Osasco, São Bernardo ou Santo André. Mas isso não apaga o fato de que, depois de um ano particularmente desastroso, com quatro pedidos de Comissão Processante, confrontos públicos, tumultos no plenário e desgaste sucessivo, o Legislativo escolheu encerrar 2025 com uma proposta que soa, no mínimo, como afronta à sociedade.
É impressionante como todas as polêmicas acumuladas não freiam o ímpeto dos nobres edis em ampliar a própria estrutura. Falta bom senso — ou vergonha. Ou, talvez, falte apenas a percepção de que há um país real fora das paredes do plenário. Um país que enfrenta dificuldades, que cobra eficiência e que assiste perplexo ao aumento da máquina pública no exato momento em que a imagem dos vereadores está profundamente arranhada.
O projeto, que será votado na quarta-feira, dia 10, já nasceu com 27 assinaturas — todas da base governista. Os seis vereadores de esquerda, por sua vez, não subscreveram a proposta. Não significa necessariamente que votarão contra; vale lembrar que, historicamente, mesmo parlamentares que se opõem à criação de cargos acabam, quando aprovados, reforçando seus próprios gabinetes sem qualquer constrangimento. A política, como sabemos, não vive sem contradições — mas em Campinas elas têm sido particularmente ruidosas.
Na prática, o PLC 136/2025 reestrutura a Casa, amplia equipes, cria cargos de comissão técnica e institui um subsecretário de comissões com salário de R$ 32,1 mil, um dos mais altos da instituição. O estudo financeiro prevê impacto de mais de R$ 20 milhões por ano, ainda que dentro dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal. O argumento jurídico soa como sólido; o argumento político, nem tanto.
O problema não é apenas o número de cargos, mas o contexto. Um Legislativo fragilizado, exposto, desgastado e atolado em crises internas, e que mesmo assim se movimenta para aprovar um projeto impopular, difícil de defender e absolutamente inoportuno. Em um ano que teve CP contra Vini Oliveira, pedido derrubado contra Mariana Conti, renúncia de Zé Carlos em meio a confissão de pedido de propina e a abertura de processo contra Otto Alejandro, os vereadores conseguem superar a si mesmos.
É como se, na reta final de um dos piores anos da história do Legislativo campineiro, a Câmara tivesse decidido sintetizar seu próprio 2025 em um só gesto: aumentar a máquina enquanto diminui a credibilidade. A democracia precisa do Parlamento — mas o Parlamento também deveria lembrar que precisa daqueles que o elegeram.
O conjunto da obra fala por si. E ele não é bonito.
Vereadores que assinam o PLC 136/2025
Ailton da Farmácia (PSB); Arnaldo Salvetti (MDB); Benê Lima (PL); Carlinhos Camelô (PSB); Carmo Luiz (Republicanos); Debora Palermo (PL); Dr. Yanko (PL); Edison Ribeiro (União); Eduardo Magoga (Podemos); Filipe Marchesi (PSB); Guilherme Teixeira (PL); Hebert Ganem (Podemos); Higor Diego (Republicanos); Luis Yabiku (Republicanos); Luiz Rossini (Republicanos); Marcelo Silva (PP); Marrom Cunha (MDB); Mineiro do Espetinho (Podemos); Nelson Hossri (PSD); Nick Schneider (PL); Otto Alejandro (PL); Paulo Haddad (PSD); Permínio Monteiro (PSB); Roberto Alves (Republicanos); Rodrigo da Farmadic (União); Rubens Gás (PSB); Vini Oliveira (Cidadania).
Câmara defende ampliação das equipes

Divulgação/CMC
A Câmara Municipal de Campinas divulgou uma justificativa oficial para a proposta que amplia o número de cargos comissionados no Legislativo. Segundo a nota, a reestruturação busca “agilidade, modernização e capacidade técnica compatível com as exigências atuais”, em linha com novas determinações do Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP).
A Câmara afirma que a revisão administrativa é necessária para adequar a estrutura interna ao volume crescente de trabalho legislativo e ao papel fiscalizador ampliado pelo TCE.
De acordo com o texto, a Casa contratou a FIA/USP para elaborar um estudo sobre o quantitativo ideal de pessoal. A consultoria apontou que Campinas está abaixo da média nacional de comissionados por número de habitantes e também possui menos assessores por gabinete do que cidades de porte semelhante.
Os dados apresentados mostram que municípios como São Bernardo do Campo, Guarulhos, Osasco e São José do Rio Preto contam com entre 7 e 10 assessores por gabinete, enquanto Campinas possui apenas cinco. O levantamento também evidencia que a estrutura de apoio do Legislativo campineiro é inferior à de outros parlamentos que atendem populações comparáveis.
A Câmara reforça que, com mais de 1,1 milhão de habitantes, a cidade demanda equipes capazes de produzir estudos técnicos, fiscalizar políticas públicas e atender de forma mais eficiente a população. O estudo da FIA registrou que, somente no primeiro semestre deste ano, a Casa recebeu mais de 8,3 mil proposições, entre projetos de lei, indicações, requerimentos e moções — volume que exige reforço operacional, segundo a nota.
O Legislativo também destaca que os novos cargos atenderão áreas estratégicas, especialmente as comissões permanentes, que passaram a ter atribuições mais robustas após mudanças nas normas do TCE-SP. A modernização, segundo a Câmara, permitiria melhor acompanhamento de metas, indicadores e políticas públicas.
A nota conclui afirmando que a proposta assinada pelos vereadores busca “adequar a Câmara aos novos conceitos de produtividade e eficiência”, garantindo suporte técnico compatível com o crescimento da cidade e com as demandas da sociedade.
O dia em que o edital saiu
Divulgação/PMC
Há datas que parecem carregar promessas de virada, mas Campinas aprendeu a desconfiar dos grandes anúncios envolvendo transporte coletivo. A publicação do novo edital — enfim, oficialmente, depois de meses de adiamentos — marca mais um desses momentos em que a cidade tenta acreditar que, desta vez, será diferente. Mas a verdade é que, por trás do anúncio institucional, ecoa o cansaço histórico de quem há décadas vive a mesma novela.
O passageiro, o mais frustrado nesse enredo, continua enfrentando ônibus lotados, frota envelhecida, atrasos crônicos e um sistema que se degradou enquanto a cidade avançava ao seu redor. Talvez por isso a chegada do edital seja recebida menos com entusiasmo e mais com uma espécie de vigilância cética. É um avanço? Sem dúvida. É garantia de mudança? Campinas já aprendeu que anúncios não transformam realidade por decreto.
O documento prevê um contrato de 15 anos, R$ 11 bilhões estimados e a promessa de modernização completa. Dário Saadi chamou o ato de um passo decisivo — e de fato é. Mas a história campineira do transporte está cheia de passos decisivos que não levaram a lugar nenhum. Quem lembra dos editais que fracassaram, dos projetos que mudaram no meio do caminho, das discussões que se perderam nas gavetas, sabe que entusiasmo demais pode ser imprudência.
A grande novidade está no papel simbólico da B3, que assume a condução da abertura dos envelopes. É um movimento que tenta blindar o processo das suspeitas que sempre rondaram o transporte coletivo — um setor tradicionalmente atravessado por disputas políticas, contratos opacos e uma sensação permanente de desconfiança pública. Levar o processo para a Bolsa de Valores é, no mínimo, um gesto de ruptura com velhos hábitos.
O desenho previsto divide Campinas em dois grandes lotes, Norte e Sul. A frota deve ganhar veículos elétricos, Euro 6, biometano e até hidrogênio. O BRT, novamente, aparece como peça central — agora em modelo tronco-alimentado — uma tentativa tardia de corrigir erros estruturais. No papel, é tudo muito moderno; na prática, é tudo muito distante da experiência cotidiana do usuário.
A camada mais delicada talvez seja o novo sistema de remuneração, com uma SPE compartilhada e golden share da Emdec, mecanismo pensado para garantir transparência nas contas e separar tarifa pública de remuneração às empresas. É, conceitualmente, um avanço importante.
E ainda assim, a reflexão inevitável retorna: a distância entre um edital e um ônibus que chega na hora continua enorme. É nesse intervalo — cheio de promessas quebradas, investimentos adiados e frustrações acumuladas — que Campinas aguarda o próximo capítulo.
Porque, no fim, não é a B3 que está sendo testada, nem as empresas interessadas, nem a engenharia do novo modelo. Quem está à prova é a capacidade da cidade de transformar um anúncio em realidade — algo que o passageiro, cansado de esperar, já não aceita adiar de novo.
- Flávio Paradella é jornalista, radialista e podcaster. Sua coluna é publicada no Portal Sampi Campinas aos sábados pela manhã, com atualizações às terças e quintas-feiras. E-mail para contato com o colunista: paradella@sampi.net.br.
Comentários
1 Comentários
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RINALDO ALBA PEREZ 09/12/2025Não concordo com esse aumento de comissionados! Cabidâo de emprego pra galera filiada aos partidos que estão esperando uma boquinha! Vergonhoso