A abertura da Comissão Processante contra o vereador Otto Alejandro (PL) não foi apenas consequência do caso de suposta violência doméstica — foi o resultado direto de uma sucessão de vídeos, episódios mal explicados, contradições e denúncias que transformaram o que seria uma sessão de difícil aprovação, na segunda-feira, em uma votação unânime nesta quarta. De segunda para quarta, o cenário mudou completamente, e não por articulação política, mas por fatos que (res)surgiram em cascata.
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Até a sessão de segunda-feira, havia resistência. Muitos vereadores não queriam votar contra Otto, mas também temiam o desgaste diante da acusação. Foi naquele momento que uma manobra — discreta, porém eficaz — adiou a decisão e garantiu a sobrevivência do rito. Os defensores da abertura sabiam que, naquele dia, a CP poderia ser rejeitada. O adiamento, portanto, impediu que a porta se fechasse.
Mas a noite de segunda inaugurou um intervalo que seria fatal para Otto. Nos dois dias seguintes, uma enxurrada de vídeos veio à tona: o episódio da portaria, em que o vereador humilha uma trabalhadora e usa termos homofóbicos; o vídeo em que ameaça Guardas Municipais insinuando influência dentro do Executivo; além das divulgações sobre a confusão com o motorista de ônibus na Glicério. O que antes era um caso circunscrito à denúncia de violência doméstica se transformou em um dossiê audiovisual que impossibilitou qualquer defesa política consistente.
A mudança de clima foi tão radical que até partidos da base anunciaram votação em bloco pela abertura da CP. O plenário estava lotado, mas desta vez por pessoas pedindo cassação. De apoiadores, nem sinal. Otto também não compareceu durante o rito de votação do requerimento.
Quando o painel marcou 30 vereadores presentes já estava claro que o desfecho seria unânime. Ninguém arriscaria associar seu nome a vídeos tão devastadores.
Ainda assim, a Câmara conseguiu produzir um momento de constrangimento. Por puro cálculo equivocado ou incapacidade de leitura do ambiente, Eduardo Magoga (Podemos) e Guilherme Teixeira (PL) decidiram, inicialmente, que a presidência e a relatoria da comissão seriam conduzidas por eles, deixando de lado a única mulher sorteada para o colegiado: Fernanda Souto (PSOL). Em um caso envolvendo violência contra mulher, a simbologia é evidente — e ignorá-la foi uma decisão tão estúpida quanto politicamente insustentável.
A reação foi imediata. Galerias, oposição e até Débora Palermo (PL) — companheira de partido de Guilherme — protestaram com veemência. Sob pressão, a formação foi revista: Fernanda Souto assumiu a presidência, enquanto Magoga ficou com a relatoria e Teixeira como membro. O erro foi evitado de última hora, mas não sem antes expor a falta de sensibilidade política de parte do Legislativo.
A CP foi aberta por 29 votos a 0, com três ausências. Um placar raro, categórico e que deixa Otto em péssima situação. Nas redes sociais, ele tentou se antecipar, repetindo que vai provar a inocência e divulgando mensagens como “a abertura da comissão processante é ótimo, pois irei provar que sou inocente” e a arte com a frase “Histórias mal contadas criam reputações erradas”. A estratégia é clara: reforçar a tese de perseguição política e questionar a credibilidade das denúncias.
O problema é que, a esta altura, o desgaste já não se restringe à denúncia principal. A narrativa de “perseguição” entra em choque com o conjunto dos vídeos, com as ocorrências policiais e com a própria reação da população. O caso deixou de ser sobre um episódio isolado: passou a ser sobre comportamento reiterado.
A comissão terá 90 dias para concluir o processo, mas, politicamente, o prejuízo já está instalado. A Câmara evitou outra manobra, reagiu à pressão pública e agora terá de conduzir um caso que pode resultar na cassação mais previsível dos últimos anos.
O excelente microfone de aparte

Divulgação/CMC
Durante a sessão, alguns pontos chamaram atenção. Novamente, o duro discurso de Débora Palermo, do PL de Otto, pela abertura da apuração e com críticas fortes aos atos do vereador. Porém, o partido, que já repudiou a situação, precisa tomar mais atitudes: Otto é o líder do PL na Câmara, e não se vê como a sigla possa manter esse posto com todos esses acontecimentos e, inclusive, com críticas da própria legenda ao parlamentar.
Outra situação peculiar ocorreu durante o sorteio de membros. A escolha é arcaica: papelzinho dentro de um vasilhame com o nome de todos os vereadores. O escolhido pode aceitar ou declinar. Eis que saiu o nome de Arnaldo Salvetti (MDB), que teve uma denúncia semelhante no meio do ano, mas que não teve essa mesma repercussão dentro da Casa de Leis. O parlamentar foi ao microfone de aparte para declinar da escolha e, ao sair, proferiu uma frase que pode ser ouvida pela excelente captação do aparelho do Legislativo: "não vou pegar essa porra, não".
- Flávio Paradella é jornalista, radialista e podcaster. Sua coluna é publicada no Portal Sampi Campinas aos sábados pela manhã, com atualizações às terças e quintas-feiras. E-mail para contato com o colunista: paradella@sampi.net.br.