Por várias vezes já comentei que a moda é um reflexo do que acontece no mundo e, de tempos em tempos, algum comportamento especifico impacta o movimento da indústria de forma mais perceptível que outros. Lembra da época de isolamento por cauda do Covid-19? Tendências como loungewear, dopamine dressing, entre outras, bombardearam nossas redes, temáticas e ofertas.
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Nos últimos meses, um assunto que tomo conta dos consultórios médicos e das redes sociais começou também a movimentar os bastidores da moda: o impacto das medicações para emagrecimento rápido, como o Ozempic e similares.
Antes de qualquer coisa, preciso deixar claro: este texto não é um incentivo nem uma crítica ao uso desses medicamentos. Ele é somente um olhar sobre como uma mudança de comportamento impacta o mercado da moda.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o uso dessas medicações se tornou tão popular que a indústria já sente reflexos nos indicadores de consumo. Relatórios mostraram uma redução perceptível na procura por tamanhos maiores (L, XL, XXL) e aumento nas vendas de peças pequenas, como XS e S. E esses mesmos relatórios falam que, “até 2027, mais de 400 milhões de unidades de vestuário podem estar desalinhadas do novo comportamento de consumo, caso essa tendência continue.” Ou seja, não é apenas o corpo que está mudando – as vendas, o estoque, o planejamento e o olhar da indústria também sofrem mudanças.
Outro dado curioso: segundo uma pesquisa citada pela CNBC, “cerca de 11,8% dos adultos norte-americanos afirmam usar medicamentos dessa categoria, e mais de 14% dizem ter interesse.”. Somado a esse dado, a Vogue Business publicou um levantamento recente mostrando que, “na temporada de verão 2025, apenas 0,8% dos looks das passarelas foram apresentados em corpos acima do tamanho 44.”
O resultado de tudo isso: algumas marcas já consideram reduzir a produção de tamanhos “plus size”.
Sabemos que a moda nem sempre foi a melhor amiga dos corpos grandes e mesmo que a passos curtos, estávamos vendo um avanço importante na diversidade e na valorização da mulher real, com maiores campanhas envolvendo modelos “plus size”, desfiles mais plurais, marcas que ampliaram suas grades de tamanho. Mas o “efeito Ozempic”, como já é conhecido, parece trazer um novo alerta: será que veremos um retrocesso? Que o movimento do corpo positivo perderá espaço?
Como consultora de imagem observo mulheres mudando de numeração, redescobrindo proporções, revendo guarda-roupas inteiros e se sentindo muito bem em se reconhecer novamente no espelho. Mas há também mulheres vivendo o desconforto de não se identificar com o novo corpo que a medicação transformou rápido demais. E a verdade é que de um jeito ou de outro, a roupa continua sendo um espelho do que acontece dentro da gente. É possível através da roupa fazer uma leitura do conforto ou do desconforto que existe em relação ao próprio corpo e além.
Mudanças no corpo, na vida, na rotina me colocam a frente de clientes com dúvidas e receios sobre o que vestir. Uma cliente após a bariátrica não se reconhecia, em outra após a aposentadoria o sentimento era o mesmo, a menopausa já mexeu demais com uma, assim como em outra o sentimento de estar inapropriada a sua nova colocação na empresa era gritante. O trabalho com todas elas é sobre se reconhecerem novamente, somarmos sua imagem, seu momento e seu estilo.
Tem uma frase que costumo usar bastante nas redes sociais que é, “não importa o número que você usa e sim o que você faz com o número que usa”, ou seja, estilo não é medido em centímetros. Estilo é a somatória de sua história, seus gostos, seu momento, seu corpo e claro, polvilhado com borogodó.
Levanto a bandeira que a moda precisa acompanhar esses novos corpos, mas sem perder de vista o essencial: a roupa deve servir à mulher, e não o contrário.
O corpo muda, a rotina muda, a vida muda e a moda muda junto. Mas o que não pode mudar é a consciência de que o que escolhemos vestir é um ato de identidade, de personalidade e de escolha. “Moda é oferta, estilo é escolha”, assim disse Gloria Kalil.