MISTÉRIO

O jovem de SJC que 'ouviu vozes' e atacou Nossa Senhora Aparecida

Por Xandu Alves | Aparecida
| Tempo de leitura: 5 min
Reprodução
Imagem oficial da imagem de Nossa Senhora Aparecida quebrada após o ataque de Rogério
Imagem oficial da imagem de Nossa Senhora Aparecida quebrada após o ataque de Rogério

A história da imagem de Nossa Senhora Aparecida tem um componente trágico que envolve a vida de um jovem de São José dos Campos. Mas ao contrário de duas restaurações ligadas à estatueta sagrada, o joseense acabou assombrado pela imagem e nunca mais conseguiu se restaurar na vida.

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Essa estranha história começa com um jovem ouvindo vozes supostamente de anjos e fazendo roleta-russa na Via Dutra, passa pela imagem oficial da Padroeira do Brasil quebrada em 200 pedaços – em uma noite de tempestade e blecaute em Aparecida – e termina com uma morte por atropelamento em São José dos Campos.

Rogério Marcos de Oliveira morava em São José na década de 1970 e, naquela época, utilizava vários tipos de droga e andava com más companhias, vivendo pressionado pela família a se endireitar.

Ele frequentava a Igreja Presbiteriana e era leitor assíduo da Bíblia, especialmente o livro do Êxodo com a história de Moisés e a indicação de que não se deve fazer e adorar ídolos, o que teria impacto pelo resto da sua vida.

Alvo de críticas de amigos católicos e ateus, Rogério ouvia zumbidos e andava tendo sonhos e visões com um anjo que determinava o que ele deveria fazer.

Viagem a Aparecida.

Em 16 de maio de 1978, com 19 anos de idade, Rogério recebeu 50 cruzeiros – a moeda da época – da irmã para pagar uma conta e tirar a Carteira de Saúde em São José. Não fez nenhuma das duas coisas. A voz do anjo vinha lhe dizendo para ir a Aparecida. E ele foi.

Tomou um ônibus e desceu na rodoviária de Aparecida em meio a uma forte ventania. Seguiu a pé em direção à Basílica Velha, que na época guardava a imagem oficial de Nossa Senhora Aparecida, encontrada por pescadores no rio Paraíba, em 1717.

Rogério passou pelos vendedores na praça e entrou na igreja velha, inaugurada em 1888. As vozes confundiam-se em sua cabeça: uma dizia para ir embora e outra para seguir em frente. Era noite e o templo estava praticamente vazio, com poucos devotos e os guardas da segurança.

Então, Rogério viu novamente o anjo que o perseguia, vestido com roupa da época de Jesus Cristo e que o mandava pegar a imagem da santa e “levá-la ao seu lugar”. O rapaz decidiu se confessar, mesmo não sendo católico, mas não havia um padre disponível.

Foi nesse instante que ele se aproximou do nicho que abrigava a imagem da santa, feita de barro, com 36 centímetros de altura e pesando 2,5 quilos. Originalmente policromada, a estatueta ficara enegrecida pelo tempo submersa nas águas do rio.

Tempestade.

Naquele momento, o tempo piorou com fortes ventos, trovões e relâmpagos e Rogério, depois de olhar um bom tempo para a imagem, aproveitou um blecaute para atender a voz que ouvia em sua cabeça: ele pulou, deu dois socos e quebrou o vidro do nicho, trazendo consigo a imagem em meio às mãos cortadas.

O barulho assustou os fiéis e um padre que celebrava a missa gritou: “Estão roubando a santa”. O guarda da Basílica, João Agostinho Alves Neto, o João Major, aproximou-se com o cassetete e pediu que Rogério entregasse a estatueta.

Assustado e sangrando, o jovem apenas olhava para a imagem em suas mãos. A aproximação de várias pessoas e mais vozes em sua cabeça o fizeram soltar a estatueta, que se espatifou no chão para desespero dos devotos.

Rogério derrubou João Major e outros três homens que tentaram segurá-lo e fugiu da igreja, sendo detido numa rua perto do rio Paraíba, próximo ao local onde a imagem fora encontrada, há mais de 300 anos. Ele foi levado para a delegacia e depois para a Santa Casa de Aparecida, onde foi medicado e recebeu os curativos.

O caso teve grande repercussão e Rogério tornou-se conhecido em todo o país, como o ‘maior iconoclasta do Brasil’. Para não ser linchado, ele foi encaminhado para a cadeia de Guaratinguetá e depois para uma clínica em São José, após acordo com seus familiares. O inquérito seria arquivado por não interessar à Igreja. Rogério nunca respondeu por qualquer crime.

Assombrado.

No entanto, o ataque à santa atormentou o rapaz por toda a sua vida, como narra o livro ‘O quebra santa’, do jornalista Sérgio Roberto de Paula, de São José, que conversou diversas vezes com Rogério até a morte dele, em 2011. O livro é de 2016.

Segundo o escritor, Rogério dizia que não saíra impune do atentado à santa. Diagnosticado com esquizofrenia, ele passou por diversas internações em clínicas psiquiátricas, algumas delas problemáticas, e teve momentos de lucidez em que refletiu sobre seu ato.

“Houve uma noite na clínica Francisca Júlia [em São José], em que estava medicado, sem dor de cabeça e plenamente consciente de tudo o que ocorreu quando viu uma notícia na TV: ‘Louco tenta quebrar a imagem de Nossa Senhora Aparecida’. Bingo! Ele declarou que naquela hora todas as fichas caíram e que percebeu a extensão exata da tragédia e do que representaria na sua vida dali em diante”, diz trecho da obra.

Rogério morreu atropelado na Via Dutra em 25 de maio de 2011, ao tentar atravessar a rodovia com os olhos fechados, numa espécie de roleta-russa que fizera no dia do episódio com a santa, 33 anos antes. Seu corpo repousa em jazigo da família no cemitério Padre Rodolfo Komorek, em São José dos Campos.

Restaurações.

Ao mesmo tempo, a imagem despedaçada da santa chegou às mãos da artista plástica Maria Helena Chartuni, chefe do Departamento de Restauração do Masp (Museu de Arte de São Paulo), que se dedicou durante 33 dias a recuperar a estatueta.

Em 2011, mesmo ano da morte de Rogério, Maria Helena disse que teve sua fé restaurada durante o trabalho com a imagem.

“Depois desse restauro comecei a perceber que eu tinha tocado em algo sagrado. Foi a partir daí que me dei conta de que algo tinha acontecido com a minha fé, que até então estava ‘congelada’, apesar de eu ter sido criada numa família católica. O trabalho de restauro mudou a minha vida, a minha fé.”

Maria Helena publicou o livro “A História de dois restauros – Meu encontro com Nossa Senhora Aparecida” para detalhar o processo de recuperação da imagem e de sua conversão.

Já Rogério viveu atormentado até seus últimos dias, nunca conseguindo ser ‘restaurado’ como foram a imagem da santa e a artista plástica.

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