Encarcerada no Vale do Paraíba, Dominique Cristina Scharf, de 65 anos, deixou a Penitenciária Feminina de Tremembé no início do mês após cumprir 32 anos de prisão. Conhecida no passado como a maior estelionatária do Brasil, ela foi libertada porque alcançou o tempo necessário para migrar ao regime aberto.
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Embora tenha ficado mais de três décadas encarcerada, Dominique não saiu pelo limite máximo de cumprimento de pena, que era de 30 anos na época em que foi condenada.
Para ficar quite com a Justiça, ela ingressou com uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) para tentar extinguir definitivamente a condenação com base nesse teto legal. A juíza responsável por sua execução penal destacou, porém, que duas fugas protagonizadas por ela ao longo da vida carcerária prolongaram sua permanência no sistema prisional.
Fora da cadeia, Dominique já planeja um recomeço. Sua ideia é montar uma confecção própria de roupas de tricô, feitas à mão, transformando o ofício em uma grife autoral. O interesse pela moda não é novo. Durante toda a vida, mesmo em meio aos processos criminais, cultivou o gosto por roupas sofisticadas e a preocupação com a imagem pessoal. A aposta agora é transformar essa marca pessoal em negócio, com um ofício aprendido dentro da cadeia.
Carreira.
Dominique nasceu em 1960, em São Paulo, filha de pai americano e mãe alemã. Cresceu em uma família de classe alta, estudou em escolas paulistanas de elite e teve acesso a uma vida de conforto e privilégios. Apesar disso, ainda jovem começou a se envolver em pequenos delitos, como furtos dentro de casa e a lojas. A escalada criminosa só aumentou após a morte do pai e o afastamento da mãe.
Em 1981, com apenas 21 anos, foi presa pela primeira vez. A partir daí, iniciou uma rotina de idas e vindas ao sistema prisional, marcada por golpes cada vez mais sofisticados e condenações em série. Criou identidades falsas, forjou documentos e passou a ser vista como especialista em estelionato e fraudes financeiras.
Na década de 1990, a ficha de Dominique já acumulava dezenas de inquéritos policiais. Ela foi investigada e condenada por estelionato, falsificação, uso de documento falso, furtos e assaltos à mão armada. Policiais a classificavam como uma das criminosas mais habilidosas do estado de São Paulo, capaz de enganar empresários, lojistas e instituições financeiras com a mesma facilidade ímpar. Na sua cartela de crimes havia desde golpes simples, como a falsificação de cheques, até esquemas sofisticados, como a venda de joias falsas apresentadas como verdadeiras.
Também aplicava os chamados golpes do amor, em que se envolvia com homens casados, marcava encontros em hotéis, fotografava-os nus enquanto dormiam e depois exigia altas quantias em dinheiro para não enviar as imagens comprometedoras às esposas. Dominique ainda se hospedava em estabelecimentos de luxo e saía sem pagar.
Ela frequentava restaurantes sofisticados, pedia pratos nobres e bebidas caríssimas. No final, aplicava golpes para não quitar a conta, como inventar que havia uma barata na comida, sendo que ela mesmo colocava o inseto no prato. Além dessas tramas, avançou para o crime pesado: envolveu-se com tráfico de armas, clonagem de veículos e integrou uma quadrilha perigosa que roubava carros em São Paulo, enviava-os ao Paraguai para adulteração e trazia os automóveis clonados de volta ao Brasil.
Em 2003, um episódio marcou a virada mais grave de sua trajetória. Durante o assalto a um vendedor de joias, sua conduta foi enquadrada como tentativa de homicídio. O caso foi levado ao Tribunal do Júri, e ela recebeu mais 12 anos de prisão. Àquela altura, suas penas já se acumulavam em quase meio século de condenações. “Gosto sempre de deixar claro que nunca matei uma mosca. O vendedor de joias não se feriu”, esclareceu.
Com o tempo, Dominique passou a acumular 20 processos de execução penal abertos simultaneamente. A situação se tornou tão confusa que, em 2016, o Departamento de Execuções Criminais decidiu unificar todos os processos em um só, estabelecendo uma pena final de 57 anos, 11 meses e 10 dias.
Apesar disso, em 2006, uma falha no sistema permitiu que ela fosse transferida para o regime semiaberto, mesmo sem ter cumprido os requisitos legais. O erro só foi corrigido dez anos depois, quando a Justiça determinou que voltasse ao regime fechado.
Além dos processos, Dominique também protagonizou fugas. Em uma delas, escapou do Carandiru acompanhada de outra detenta. As duas usaram um alicate para cortar o alambrado, mas foram recapturadas pouco depois, ao tentar atravessar um córrego, o que resultou em uma falta grave e na transferência para a unidade de Ribeirão Preto.
Tremembé.
Em Tremembé, Dominique construiu a imagem de uma mulher capaz de transitar entre o glamour e a melancolia. Em alguns momentos, buscava romantizar sua vida de crimes, em outros demonstrava arrependimento e exaustão.
“Nunca me senti parte da população de Tremembé. Lá tem muitas assassinas, pedófilas e estupradoras. Não tenho nenhuma afinidade com esse tipo de crime”, destacou.
Dominique Cristina Scharf carrega a marca de ser a maior estelionatária do país. Sua saída de Tremembé não apagou o passado, mas fechou um capítulo singular da história criminal brasileira. “Meu sonho é visitar a minha família, que mora na Austrália. E quem sabe ficar por lá”, planeja.
* Com informações do jornal O Globo