Numa manhã de terça, a luz suave entrava no quarto do hospital. Uma assistida segurava um buquê trazido pela neta. Não falavam da doença, mas do cheiro das flores, do vestido azul que usaria no domingo e do café coado. Ali entendi: cuidados paliativos são viver com dignidade e afeto, cuidando da vida enquanto ela existe.
O termo “paliativo” ainda é mal interpretado como “nada mais a fazer”. Na verdade, significa fazer tudo pelo bem-estar da pessoa — físico, emocional, social e espiritual — mesmo sem cura. Como diz a dra. Ana Claudia Quintana Arantes, é para viver melhor, não morrer melhor. É resistir à lógica de exames e diagnósticos e reconhecer que cada história merece cuidado até a última página.
É estar presente, perguntando “o que importa para você hoje?”, criando momentos que dão sentido ao tempo. Como o paciente que sonhava ouvir o mar e recebeu, no quarto, sons de ondas, cheiro de sal e conchas. Não é prolongar nem abreviar a vida, mas dar qualidade ao tempo.
Para as famílias, o paliativo traz alívio: a vida deixa de girar em torno da busca incessante por tratamentos e passa a valorizar prazeres simples — um almoço, música, leitura com netos. Ele devolve dignidade, fortalece relações e abre espaço para conversas e reconciliações.
O cuidado é sustentado por equipe multidisciplinar: médicos, enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas, assistentes sociais, nutricionistas, líderes espirituais e voluntários. Cada um contribui para tratar o corpo, ouvir a mente e respeitar a alma.
O tabu da morte é enfrentado com diálogo, permitindo planejar o tempo que resta e celebrar a vida. A grandeza está nos pequenos gestos: um banho demorado, a fruta da estação, a música que traz lembranças.
No Brasil, menos de 15% de quem precisa tem acesso a cuidados paliativos. A desinformação e a desigualdade geográfica agravam a situação. Apesar de avanços no SUS e na capacitação, é preciso mais investimento, informação e sensibilidade.
Cuidar da vida enquanto há vida é resistir à pressa e ao abandono, valorizando a existência em qualquer fase. Não é sobre curar ou dizer adeus, mas sobre estar junto até o último instante, dizendo: “Você não vai passar por isso sozinho”.
Edvaldo de Toledo é empresário, enfermeiro, especialista em Gerontologia e Geriatria, Apresentador do IssoPodAjudar, Criador da Cuidare e Diretor de Saúde do Município de Pedra Bela (@edvaldo.toledo)
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Liliane luques de Miranda Silva 15/08/2025Quero receber as notícias