ESCOTEIRO

'Vivo todo dia a mesma história', diz pai de Marco Aurélio

Por Guilhermo Codazzi e Xandu Alves | São José dos Campos
| Tempo de leitura: 28 min
Reprodução
Marco Aurélio (ao centro)
Marco Aurélio (ao centro)

Dia 8 de junho de 1985.

O escoteiro Marco Aurélio, de 15 anos, desaparece no Pico dos Marins, em Piquete, sem deixar rastros. O caso é considerado um dos maiores mistérios do mundo.
Onde está Marco Aurélio? Há mais de 40 anos, o jornalista Ivo Simon, pai de Marco Aurélio, busca responder essa pergunta. "Eu vivo todos os dias a mesma história", diz Ivo, hoje com 86 anos.

O caso Marco Aurélio é o tema do Documento OVALE Cast, programa especial do OVALE Cast, podcast de OVALE, dedicado a grandes reportagens. Quarenta anos depois, seu Ivo vive na mesma casa, em São Paulo. Decidiu não se mudar por medo de que Marco Aurélio não encontre o caminho de casa.

O pai sonha ouvir o filho bater à porta. "Eu sigo acreditando", afirma Ivo.

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Mesmo sem nenhuma pista que aponte o que aconteceu com Marco Aurélio, Ivo vive uma incansável busca pelo seu filho.

“Porque eu vou pensar que ele está morto, se eu não tenho uma prova de que ele está morto?. Eu prefiro acreditar que ele esteja vivo. Mas onde ele está? Esse é o mistério”, disse Ivo ao Documento OVALE Cast, podcast especial de OVALE que investiga histórias de alta relevância. É uma grande reportagem em formato de podcast.

Em uma conversa franca e emocionante, Ivo relembra o momento que ficou sabendo do desaparecimento do filho, o início das buscas, as suspeitas sobre a conduta do líder do grupo que estava com Marco Aurélio, a reabertura das investigações e a esperança de ainda encontrar o filho vivo.

O Documento OVALE Cast conta com a participação do editor-chefe de OVALE, Guilhermo Codazzi, e do repórter especial Xandu Alves.

Leia a seguir a entrevista na íntegra.

Seu Ivo, há dias que duram mais do que 24 horas. Recentemente o senhor disse a frase: “Eu vivo todos os dias a mesma história” E o dia 8 de junho de 1985, a data do desaparecimento do Marco Aurélio, já dura mais de 14 mil dias. Já são mais de 40 anos e sempre com uma pergunta central: onde está o Marco Aurélio? O que aconteceu naquele sábado? O que se sabe daquela incursão do grupo de escoteiros no Pico dos Marins?

Bom, antes de falar disso, eu queria falar que eu fui casado durante 54 anos com Tereza Neuma Bezerra Simon. Uma pessoa maravilhosa. Que me deu uma força incrível. Nesse sábado [de 1985], nós estávamos no sítio, nós temos um sítio lá em Mairiporã. E tínhamos levado um casal amigo. Estava eu, a minha esposa e um casal amigo. Aí quando foi umas 2h da tarde mais ou menos, a minha esposa falou assim: “Ivo, eu quero ir embora”. Falei: “Mas nós trouxemos um casal para passar o final de semana com a gente aqui no sítio e agora você quer ir embora. Como é que eu vou falar para eles isso?”. Aí eu falei com o casal: “Olha, nós vamos ter que voltar para São Paulo, porque a Neuma não está se sentindo bem, não está confortável, então nós vamos voltar para São Paulo”.

Nunca me esqueci desse momento, porque foi mais ou menos no momento que estava acontecendo o caso do Marco Aurélio na serra, que foi às 2 horas e pouco da tarde. Então, a minha esposa, ela sempre teve assim uma premonição para as coisas. Parece que ela sabia o que ia acontecer e me dava uma força incrível. Se não fosse ela, eu não teria resistido. Ela era cearense. Então, ela me deu uma força incrível. A gente se dava muito bem, foram 54 anos de uma vida maravilhosa. E agora faz 10 anos que ela subiu aos céus.

Coincidentemente, nesse mesmo horário, às 14h, é que começou o desenrolar do caso Marco Aurélio. Ele estava ao lado de três outros escoteiros e também de um líder do grupo de escoteiros e esse grupo tentou atacar o cume do Pico dos Marins. Por volta das 14h, acontece um fato importante, começa a se desenrolar esse mistério. O que aconteceu durante essa incursão na montanha?

Queria fazer uma retificação aqui. Líder para mim é quem é exemplo, quem tem liderança, quem tem uma boa formação de saber que está lidando com pessoas vivas. Está lidando com vidas, está lidando com quem tem um objetivo na vida, qualquer coisa. Então ele não era um líder. Ele era só um chefe, um chefinho escoteiro. Tenho o maior respeito pelo escotismo, foi uma lição de vida que nós aprendemos muita coisa. E lamento que esse episódio levou ao desaparecimento do nosso grupo. E meus filhos não puderam ter acesso ao escotismo, que aí ficou um ambiente ruim em casa. A gente vê uma criança vestida de escoteiro e sabendo do que tinha acontecido conosco. E assim foi a nossa vida.

No dia 8 de junho aconteceu isso e a Neuma dizendo “eu quero ir embora, eu quero ir embora”. Cheguei para o casal e falei: “Olha, se vocês quiserem ficar no sítio, vocês ficam. Nós vamos ter que voltar para São Paulo”. E o casal: “Não, não, vamos juntos”. Então voltamos todos para São Paulo.

Até então, o senhor não tinha ideia do motivo de ela estar sentindo alguma coisa?

Ela também não tinha ideia.

Quando é que vocês receberam a ligação de que havia tido um problema com o Marco Aurélio?

Foi no dia 9, no domingo, umas 22h50. E eu perguntei: se tinha acontecido no sábado, porque só tinham me ligado no domingo? Tem um chefe que é escoteiro aqui, o Toninho, que ligou para mim e disse: “Olha, o Juan [Bernabeu, líder do grupo onde estava Marco Aurélio] quer falar com vocês sobre o caso do Marco Aurélio que desapareceu ontem”. Eu falei: “Mas como ele desapareceu ontem e vocês estão me avisando agora?”. Aí o Juan pegou o telefone e falou: “Não, é que a gente tinha certeza que ia encontrá-lo no domingo”.

Porque é impossível sumir assim uma pessoa. Mas no domingo, o que acontece? Eles subiram a montanha e até por volta de umas 2 e 3 horas da tarde mais ou menos, aí caiu uma chuva muito forte e eles tiveram que regressar. E daí disseram: “Bom, nós vamos ter que ligar para o Ivo e para a Neuma para explicar o que aconteceu aqui com o caso do Marco Aurélio e que nós estamos buscando”. E foi o que me e disseram: “Olha, aconteceu isso com Marco Aurélio ontem, mas amanhã nós vamos retomar, já vem mais uns policiais, tinha três policiais ou quatro, uma coisa assim, que a gente vai segunda-feira, a gente vai estar subindo o Pico dos Marins, mas não se preocupe que a gente vai lá e vai trazer ele”. Eles estavam na casa do Gugu, que é um chefe escoteiro de Piquete.

Então eu liguei para o meu irmão, que era dentista. Falei que ia para Piquet, mas eu não queria dirigir, e pedi que ele dirigisse o carro para nós, porque eu achei que no estado de tensão podia fazer qualquer bobagem na direção. E meu irmão veio e nós viajamos a noite inteira, chegamos aqui por volta de umas 5 horas da manhã e fomos direto para a casa do Toninho. Ele mostrou umas plantas, alguma coisa e depois nos levou à casa do chefe Gugu, em Piquete.

Coincidentemente, a filha dele, Érica, tinha 17 anos na ocasião, esteve na minha casa faz uma semana. Batemos um papo muito grande. Ela continua morando sozinha na mesma casa, lá em Piquete, e pensa fazer alguma coisa lá, uma sala, qualquer coisa que possa relembrar essa história do Marco Aurélio.

Quando o senhor chegou, vocês fizeram uma incursão? O senhor chegou a andar na montanha por onde o Marco Aurélio passou? Como foram as primeiras horas quando o senhor chegou?

Quando nós chegamos em Piquete, nós fomos direto para casa do Gugu. Sabe, foi uma surpresa tão grande que aconteceu na nossa vida que a gente se perguntava: o que vamos fazer agora? Então eu fiquei na casa do Gugu e os policiais já estavam na montanha. Dormimos lá e, na segunda-feira, nos dias seguintes, começaram a vir outros policiais, o delegado, a conversar comigo e a gente fez um escritório na casa do Gugu, que gentilmente cedeu uma sala. Aí eu chamei minha cunhada que já tinha trabalhado comigo em São Paulo para ser uma secretária. Nós montamos um escritório lá na casa do Gugu.

E foi assim que começamos a administrar essa situação nova, inédita, que eu não desejo para ninguém. Terrível. Não desejo para ninguém passar por tudo que nós passamos naquele momento. Terrível. Há muitos casos de desaparecimentos, mas não é todo dia, não é toda a família que passa por isso. Eu não sabia o que fazer. Então, na minha cabeça, quando eu cheguei em Piquete, eu comecei a pensar: “Bom, o que a gente faz quando está vendo um filme de desaparecidos?”. Avião.

Tinha um rapaz do Rotary que nos numa base aérea para um falar com o tenente. Ele já estava sabendo o que estava acontecendo. O que o senhor deseja? Eu falei: “Avião. Eu sei que as buscas têm que começar por avião”. Ele falou: “Olha, eu tenho aviãozinho aqui só de um monomotor”. O senhor pode mandar o avião lá? Posso. Posso. Mas ele falou: “Antes, eu quero lhe dar uma coisa”. E me deu um livro de Allan Kardec chamado Livro dos Espíritos, que eu tenho até hoje. E assim a coisa começou.

Agora que eu faço? Então lembrei, comecei a lembrar de filmes de desaparecidos, o que fazia? Bom, primeira coisa precisa ter avião para fazer as buscas, para ajudar. Aí entrei em contato com alguns amigos lá de São Paulo, com o Michel Temer, que era meu conhecido. Ele era secretário da segurança, pediu auxílio para o governo. E eles mandaram um avião que estava fazendo uma busca de pessoas desaparecidas num naufrágio na cidade de Santos. Então, ele disse: “Eu vou entrar em contato com o pessoal e eu lhe telefono”.

E realmente, no final do dia da segunda-feira, ele me telefonou: “Olha, o avião do resgate em Santos, nós não temos mais esperança de encontrar as pessoas com vida. Então, eu vou mandar o avião para aí”. E no dia seguinte, umas 11 horas mais ou menos, chegou o avião. Aí eles me disseram assim: “Veja o campo onde pode descer o avião”. E foi num campo de futebol que desceu. Acho que era um helicóptero, se eu não me engano. Eu sei que é um helicóptero. Desceu no campo de futebol, que a gente fechou o campo de futebol para evitar qualquer acidente. E ali começaram as buscas aqui na região.

O grupo escoteiro estava acampado na base do Pico dos Marins. Fez a incursão naquele sábado, dia 8 de junho. Eram quatro escoteiros, contando com o Marco Aurélio, mais o chefe do grupo. Um deles se machuca. Então o chefe do grupo pede que um dos meninos volte para pedir ajuda. Inicialmente não era o Marco Aurélio, depois o Marco Aurélio se apresenta, se voluntaria para fazer esse trabalho, ele volta separadamente do grupo. O restante do grupo tinha a incumbência de ir marcando com giz o caminho. E aí esse grupo, inclusive com o chefe dos escoteiros, consegue retornar ao acampamento apenas no domingo, por volta das 5 horas da manhã, e lá encontra a mochila do Marco Aurélio revirada e fora da barraca. E aí começam as buscas. O senhor acha que houve um ou mais de um é erro nessa sequência de fatos que aconteceram na montanha? Acredita que as decisões tomadas pelo chefe do grupo foram equivocadas?

Foram erradas de uma forma primária, porque você jamais separa um elemento num local desconhecido. Ele separou Marco Aurélio. Segundo a história, o Ramatis [Rohm] que era dos mais jovens, tinha se apresentado para ir à frente para buscar socorro. Mas como ele não tinha muita experiência, então falaram para o Marco Aurélio ir. Esse é o primeiro erro básico, primário do chefe, que não é líder. Por quê? Nunca se separa um elemento sozinho num grupo. Por que não mandou dois, por exemplo?

Porque hoje, qualquer expedição, inclusive no escotismo, bem organizada, manda dois chefes. Você não pode mandar um grupo de garotos com um chefe só, como fazíamos antigamente. Porque se o chefe se machuca, quem vai cuidar das crianças? Então hoje são dois chefes que devem sempre seguir à frente do grupo para orientar e tomar conta das crianças. Então, esse foi o primeiro erro, erro crasso, básico, primário, jamais um chefe escoteiro pode cometer o erro que ele cometeu. De separar no meio da montanha. O garoto que se machucou, o Osvaldo [Lobeiro], é nosso amigo até hoje, está sempre com a gente.

 

E aí tem outro ponto que é muito questionado. A partir do momento que eles regressam ao acampamento, eles encontram materiais revirados, inclusive a mochila do Marco Aurélio fora da barraca e aí o chefe decide voltar sozinho, refazer o caminho sozinho para tentar encontrar o Marco Aurélio. Essa também é, na avaliação do senhor, uma atitude errada? Foi mais um elo dessa corrente que favoreceu o desaparecimento do Marco Aurélio?

O segundo erro primário. Segundo erro primário do chefe. Por quê? Se você está num local desconhecido, e você tem ali um guia experiente na subida dos Marins, que era o seu Afonso, porque ele não falou: “Seu Afonso, aconteceu um negócio, o garoto se perdeu. O senhor pode ir comigo lá tentar achar, já que o senhor conhece, é guia aqui na serra?”. Não fez isso. Por que não fez isso? Tem um delegado de São Paulo que acha que foi tudo intencional. Esses erros não aconteceram assim. Eles foram premeditados. O que eu posso dizer? Eu não sei. É a polícia que está dizendo hoje isso. Que esses erros foram premeditados.

Que ele saiu com essa intenção de São Paulo. Talvez lá [na montanha] eu dou um jeito de adequar o que eu vou fazer. Agora, como eu vou fazer? Eu não sei, mas na hora eu resolvo, e foi o que foi feito.

Então, uma série de erros crassos, primários. Deixo bem claro. Nada contra escotismo, é uma lição de vida maravilhosa. Meus filhos aprenderam muito. Eu só lamento que isso levou à extinção do nosso grupo, o Olivetano. E meus filhos não puderam ter acesso ao escotismo. É uma lição de vida. Maravilhoso. Agora, esses erros ninguém pode cometer. Não pode cometer. Não pode. E por que cometeu? Por que cometeu? Essa é uma incógnita que só ele pode responder.

Que experiência ele tinha no escotismo quando aconteceu isso?

Não de subir em montanha, foi a primeira vez, que era um desafio, chamava desafio que eles tinham que fazer para ganhar uma estrela a mais, uma comenda a mais no grupo. Mas de montanha foi a primeira vez, que era o Pico dos Marins. Que realmente era um desafio. Eles iriam ganhar uma nova comenda se conseguissem cumprir o estabelecido. Marco Aurélio tinha uns quatro anos mais ou menos de escotismo naquela época.

Uma coisa é você ter experiência e outra coisa é você se sentir sozinho num lugar. Você olha para a direita, olha para a esquerda, para cima e não vê ninguém. Que eu faço? É desesperador você buscar socorro e não tem ninguém para te socorrer. Você vai pedir auxílio para uma pedra? A pedra não fala, né? O vento não fala.

O senhor estava falando sobre o Juan, que é o chefe do grupo de escoteiros. A partir do momento que o senhor chega a Piquete, acompanhado pelo seu irmão, o senhor chegou a confrontar o Juan, a questioná-lo sobre o que havia acontecido?

Nós fomos para a casa do chefe Toninho, que nos levou à casa do chefe Gugu. E lá estava o Juan. Então nós conversamos, e ele falou: “Olha, aconteceu isso, mas o pessoal vai subir a montanha”. Não tinha nada contra ele, porque inclusive nessa viagem, eles dormiam na minha casa. Quando ele morava longe, dormia na minha casa e eu os levei, levei o Marco Aurélio e o Juan até o metrô para pegar o ônibus para vir para cá.

Bom, e ali começa uma busca que entrou para a história. Uma das maiores buscas em campo da história do país. Foram 28 dias, mais de 300 pessoas fizeram uma varredura completa ali no Pico dos Marins e não foi encontrado nenhum fio de cabelo, nem um fio de cabelo. Naquela época, o fato de eu ser diretor de uma empresa que fazia muitos eventos, eu tinha muito relacionamento com a imprensa do Brasil. Então, da noite para o dia, começou a chover jornalistas. Eu fui falar com o major lá de Lorena. Ele falou: “O que o senhor precisa?”. Eu falei: “Eu preciso de gente para andar”. Ele mandou 80 homens lá para ajudar nas buscas. Eu tenho que olhar, alguém olha e acha alguma coisa, mas infelizmente nem um fio de cabelo.

Eu não sei, não sei que mistério é este que não tem solução. Não tem, não deixou um vestígio do que aconteceu. Será que ele foi abduzido? Tem alguns amigos que falam de objeto voadores não identificados, que ele foi abduzido, não tem outra explicação. Que podia achar uma roupa, um chapéu, um alguma coisa, nada, nada, nada.

E a partir daí começa a ter uma ramificação. São várias as teorias, várias as hipóteses, como o senhor falou, até mesmo de abdução, de seitas que atuariam ali na região. Tem alguma dessas teorias, dessas hipóteses, que o senhor considera, depois de 40 anos? O senhor já leu esse inquérito dezenas de vezes. Tem alguma dessas hipóteses que o senhor considera mais provável?

Olha, a questão de abdução. Lá tem duas pedras assim grandes que o Marco Aurélio passou pelo meio. Mas como os outros vinham trazendo o Osvaldo machucado, não conseguiram passar, então desviaram. Segundo os amigos ufólogos, ali é um portal que dá acesso a outro espaço que a gente não conhece. Eu ouço tudo, aceito tudo, todo mundo virou meu amigo hoje, porque todo mundo quer resolver esta questão. Todo mundo quer encontrar uma solução. Eu não tenho essa solução. Não adianta perguntar para o Ivo: “Eu não sei. Eu não sei”.

Tem um mistério dentro do mistério. A bolsa do Marco Aurélio desceu. Ela foi encontrada junto à barraca. Então, ele esteve ali, ele voltou ou nunca esteve ali? O senhor tem alguma informação sobre isso?

O que se levanta é que o seu Afonso tinha um filho que tinha problemas mentais, tanto que tinha um quartinho ao lado da casa dele, onde ele fechava o filho, algumas coisas. Uma das teorias é de que Marco Aurélio chegou e esse filho do seu Afonso matou o Marco Aurélio e o seu Afonso ficou desesperado e matou o filho dele e sumiu com o filho dele também. Daí que o filho dele não foi encontrado. São teorias. São os mistérios dentro do mistério. São os mistérios dentro do mistério. Seu Afonso era o guia da montanha. E o grupo de escoteiros acampou no quintal do seu Afonso. É na base. E quatro anos depois do desaparecimento do Marco Aurélio, o filho do seu Afonso também desapareceu. Até hoje nenhum não tem vestígio.

Quando foi reaberto o caso mais recentemente, foram feitas escavações na casa dele, no quarto, não se encontrou nenhum vestígio. A filha dele chegou a dar um depoimento no hospital, que seu Afonso viu o Marco Aurélio, viu o filho matar o Marco Aurélio, e pegou o Marco Aurélio, o que sobrou, e enterrou no chão da sala dele, do quarto, era uma casa bem simples, para que ninguém descobrisse. Então, daí que a gente conseguiu a autorização dos delegados todos, da perícia técnica, e foram escavar a casa do seu Afonso. Não encontraram nada. Aliás, acharam um ossinho desse tamanho assim que era tipo de frango. Foi só o que foi encontrado. Nada, nada, nada.

A gente tem um inquérito inicial que foi arquivado em abril de 1990. Com base nessas novas informações, houve a reabertura dessa investigação. Isso dá uma nova esperança para o senhor?

Sempre é uma esperança.

O senhor acredita que ele está vivo? Você não pensa que ele pode estar morto?

Eu digo: “Bom, porque que eu vou pensar que ele está morto, se eu não tenho uma prova de que ele está morto?”. Então, é 50% para lá, 50% para cá. Eu prefiro acreditar nos 50%. Onde ele está? Esse é o mistério. Onde ele está? Eu tive com o Chico Xavier.

O senhor falou que foi um dos momentos mais emocionantes dessa busca que o senhor teve.

Foi porque para a gente chegar ao Chico Xavier, eu já tinha ido uma vez encontrar numa apresentação que ele foi fazer. Ele estava no Clube Paulistano em São Paulo, o Clube Pinheiros, um dos dois. Chico estava cumprimentando as pessoas, eu passei por ele com a minha esposa e só cumprimentamos, não houve possibilidade de falar com ele. Mas não me saiu da cabeça que eu tinha que falar com o Chico Xavier.

E a minha esposa era bandeirante, era chefe bandeirante do nosso grupo. Na Federação das Bandeirantes do Brasil tinha uma filha do Franco Montoro, que era chefe também. E a minha esposa explicou [o caso] e ela conseguiu com uma dona do cartório da cidade de Uberaba, que nos fizéssemos a apresentação ao Chico Xavier.

Aí eu fui com a minha esposa até Uberaba e lá nós fomos falar com o Chico Xavier. Uma coisa emocionante. Você chega na presença dele e vê a dona do cartório da cidade, mulher riquíssima, distribuindo pãozinho com Chico para os pobres.

E como foi esse encontro em Uberaba com o Chico Xavier? O que ele disse para vocês?

O Chico foi muito claro. Ele falou: "Eu já tenho aqui o cartaz", ele pegou o cartaz que tinham levado para ele, que eu tinha mandado para ele. E eu falei: "E aí, Chico, que você pode dizer assim”. Ele disse: "Olha, eu não posso dizer nada porque eu não consegui contato com ele". Falei: "Mas espera aí, Chico, então ele está vivo?”. Ele falou: "Não, eu só me comunico com pessoas, com entes desencarnados". Então ele está vivo? Ele falou: "Não disse isso, só disse que só me comunico com entes desencarnados". E foi só. A gente ficou na esperança mais uma vez.

Se o Chico está dizendo isso, é porque não conseguiu contato. O Chico era uma pessoa de outro planeta, mas essa que é verdade. Como profeta Jeremias, era um ser extraordinário. E ele não consegue

Na cabeça do senhor, o que aconteceu com ele? O que você acha que aconteceu com o Marco Aurélio naquela montanha que ele estaria vivo hoje? Perdeu a memória, se perdeu? O que o senhor acha que pode ter acontecido?

Eu não tenho ideia. Porque só fui uma vez até o local onde aconteceu o acidente. Até porque a polícia dizia: "Ivo, não queremos você lá". Porque no seu estado emocional, de repente você vai sofrer um acidente e piora a situação. Então, fica sempre aí na base. Eu fiquei na casa do Gugu, que nos deu todo o apoio.

Entre as hipóteses, existe a de um motorista de ônibus que diz que, naquele período, naquele final de semana, deu carona a um menino. Como é que foi essa história?

Então, nós fomos a Campos do Jordão, eu sempre tive uma coisa, eu sempre me apoiei na polícia. Tudo que acontecia, tanto que a gente praticamente vivia no grupo de sequestro lá de São Paulo, que era no Parque D. Pedro, a gente ia lá e ficava lá com os delegados esperando. Assistindo ao jogo de futebol que era a Copa do Mundo de 86. E a gente ficava lá com os delegados assistindo, esperando alguma coisa, e de vez em quando eles perguntam: "E você, que você acha, Ivo?". Foi um atendimento maravilhoso que nós tivemos da polícia. Perfeito, perfeito, perfeito. E não sei mais o que falar, sabe? Eu não sei.

O motorista nós fomos falar com ele em Campos do Jordão. Fomos com o Marco Antônio, que é irmão gêmeo do Marco Aurélio. Eles são univitelinos, você olha para um é igual ao outro. Então nós fomos para lá.

E a delegada falou: "Deixa o Marco Antônio fora daqui numa sala e quando eu fizer o sinal ele entra, mas não fala nada". Então estava eu conversando com o motorista, eu, a minha esposa. Aí a delegada fez um sinal e o Marco Antônio entrou. Aí o motorista olhou e falou: "Mas pera aí, esse é o rapaz que vocês estão procurando. É esse aí". Aqui ele mexeu mais ainda com a gente. Porque ele deu a carona e o garoto desceu no meio da estrada. Mas por que queria descer no meio da estrada, num lugar que ele não conhecia?

Então, tudo nessa história só tem um nome, mistério. Eu não consigo uma explicação para cada coisa que está no inquérito policial. Não consigo dizer: "Bom, aí eu acho que é isso aqui”. Achômetro. Quem é pago para achar é a polícia. Não, eu. Achômetro não existe. Eu trabalho em cima de fotos concretos, assim. Eu não tenho um foto concreto até hoje. Imagina, volto a repetir, 300 pessoas fazendo a busca lá e não achar um fio de cabelo, um lenço, um agasalho. Como é possível um negócio desses?

Se alguém aí que está nos acompanhando puder colaborar e dizer: "Olha, eu tenho uma explicação. Foi isso aqui”. Mas que me dê uma provinha. Não precisa ser uma prova muito substanciosa. Só me dê um fio de esperança. Eu vou atrás. Eu vou atrás. Que eu vou. Eu vou sempre.

São 40 anos de uma busca, como o senhor falou, vivendo um dia que se repete diariamente. O que dá força para o senhor continuar essa busca mesmo sem nenhum elemento, sem um fio de cabelo, sem nenhuma prova? O que dá força ao senhor para continuar essa busca?

Eu tenho um lema na minha vida, eu vou. Então isso tem me ajudado muito na vida. Essas duas palavrinhas vão ajudar uma pessoa. Não sei o que eu vou fazer. Eu sei que eu vou. Eu vou, vou, vou.

O senhor se lembra da última vez que viu o Marco Aurélio? Qual foi o último contato?

Em São Paulo, no dia que eles foram, acho que dia 5, para a viagem, que eu os levei. O chefe dormiu na minha casa. Eu o levei com Marco Aurélio até o metrô, e eu sei que na hora que eu me despedi do Marco Aurélio eu dei um abraço e naquela hora me passou uma sensação. Eu nunca mais vou ver meu filho. Não sei o que aconteceu. Eu nunca mais vou ver. Até me deu um abraço muito apertado. Foi a despedida. Foi três dias antes de ele desaparecer.

Todo mundo que conhece a história do senhor fica impressionado pela essa força que o senhor tem de manter o Marco Aurélio vivo. Porque o que o senhor tem feito é mantê-lo vivo. E acho que o senhor só continua nessa busca, porque o mantém vivo. Como é que o senhor mantém vivo o Marco Aurélio dentro de si?

É porque eu não tenho um fato concreto, uma prova de que ele morreu. Então, se eu não tenho uma prova de que ele morreu, por que eu vou acreditar que ele morreu? Eu acredito que ele está vivo. Onde? Eu não sei. Essa é a luta. Então, onde me dizem: Olha, tem uma vidente, eu vou. Onde tem um espírita, eu vou. Onde tem um padre católico, eu vou.

Em São Paulo, nós fomos na Igreja da Consolação falar com o padre. Porque eu só pergunto o que eu posso fazer? O que eu posso fazer? Se alguém tiver uma ideia, quem está acompanhando a nossa reunião, fala, faz isso. Eu vou fazer. Não se preocupe que eu não vou dar nome, nada. E esse padre da Igreja da Consolação nos mandou para uma outra igreja num outro bairro que o padre fazia exorcismo. Falei: "Quem sabe tem alguma solução". Não teve também. Não teve. Então, tudo que pediram para a gente ir atrás, nós fomos. Eu vou. Eu vou, vou, sempre.

E entre as inúmeras hipóteses, a gente tem do crime, de ter acontecido alguma coisa com ele no Pico dos Marins, dele ter perdido a memória. A gente chegou até a ter a informação nos últimos anos de que ele poderia estar morando nas ruas em Taubaté, essa informação foi verificada, enfim, tem uma série de hipóteses e possibilidades. Nesses 40 anos, houve um avanço tecnológico muito grande. O senhor acredita que a tecnologia pode criar novas possibilidades de encontrar o Marco Aurélio, seja com equipamentos, como foram usados nas buscas no Pico dos Marins agora recentemente ou atualizando a foto dele? Todas essas possibilidades tecnológicas abrem novas frentes?

Claro, porque lá eles passaram uns três anos atrás, uns equipamentos assim que vão rastreando o chão que indica de 3 até 5 m se existe algum elemento, alguma composição da terra, vamos dizer assim, diferente do material orgânico encontrado ali. Isso foi feito lá, sabe? Eles vão passando assim, como se fosse um infravermelho, qualquer coisa assim e acusa, se tem alguma coisa, mas nada, nada.

Aí usaram drones para detectar umas escavações que foram feitas, então o drone detectou alguns coisas estranhas em alguns lugares. Foram feitas algumas escavações e falta fazer algumas ainda. Só que isso já vem há 2 anos. Ainda há pontos a serem verificados. Eu espero que sejam feitos com a possível brevidade para me tirar da cabeça mais um problema. Porque eu acredito em tudo. Tudo pode dar certo, tudo pode dar certo. Então, só tem uma coisa que não dá certo, sabe o que é? A nossa consciência.

Então, se existe um culpado nessa história, ele não deve falar comigo nem com a polícia, ele tem que falar com a sua consciência, que a consciência não deixa ninguém em paz. A consciência é sua mentora, ela fiscaliza tudo que você faz. E toda noite, pode ter certeza, quando você põe a cabeça no travesseiro se eu rememoro o que eu fiz, o que eu deixo de fazer. E se tem algum culpado, essa consciência vai acusar. Não adianta dizer para mim: "A consciência não paga, sabe? A consciência".

Uma vez eu fiz uma pergunta e me deram uma resposta: "Sobre o que é viver? O que é viver?”. Eu recebi diversas respostas e uma delas marcou muito assim: viver é você escrever uma história, um livro, uma história que borracha alguma consegue apagar. A partir do momento que você viveu, tá vivido. Você não consegue apagar.

Seria muito interessante se a gente tivesse dar uma chavinha na mente e dizer: "Eu só quero pensar partir daqui para frente. O que passou eu não quero mais pensar”. Mas não é assim. Não é assim. A vida nos impõe certos sacrifícios que são realmente um mistério, sabe? Por que nós vivemos?

Por que nós temos que passar por essas coisas aqui na Terra? Por quê? Essa é a pergunta que não tem resposta.

Se eventualmente encontrar uma pessoa parecida com Marco Aurélio, quais são os sinais para identificá-lo?

Ele tinha um problema visual. Um olho ele enxerga acho que 5%, mais ou menos, outro 40, 45%. E ele olhava de lado assim, ele não olhava você de frente. Sempre olhava um pouco de lado assim, para poder visualizar. Mas engraçado que com 15 anos de idade, ele viveu uma vida normal, andava de bicicleta, sempre normal, nunca teve nada que o prejudicasse.

Como uma vez eu falei com o médico, como é que faz? Deixa do jeito que está, porque é muito grave a gente fazer uma cirurgia para ele, pode melhorar ou pode piorar, então deixa assim. Tava feliz, ele era feliz, Ele se adaptou muito, era alegre, muito alegre. Essa alegria é que faz falta na nossa família, sabe? Faz falta, sim. Faz falta.

O senhor comentou que continua vivendo na mesma casa em São Paulo. O senhor não se muda temendo que eventualmente o Marco Aurélio não consiga encontrá-lo? Eu queria que o senhor falasse um pouquinho sobre esse sonho. A gente também precisa de sonho e esperança. O senhor acredita que ele pode eventualmente em um dia bater a porta do senhor?

Olha, eu já acompanhei tantas histórias de desaparecimentos, 30, 40 anos, 50 anos, pessoa desaparecida e de repente a pessoa apareceu. Por isso que eu continuo acreditando que um dia pode chegar lá na rua Bocaiuva, em São Paulo. Bater na porta. Eu direi: “Eu te amo. Entra, meu filho. A casa é sua”. É a minha vida. É a minha missão, mas eu vou. Eu vou.

O senhor mantém vivo seu filho depois desses 40 anos. E isso é espetacular. É espetacular no sentido de nos dar uma lição de vida. Sabemos que é doloroso. Mas a gente agradece essa lição, seu Ivo.

Eu não quero ser exemplo para ninguém. Sabe qual é a religião que eu tenho? Eu não tenho religião. Eu só tenho uma religião. Praticar o bem. A questão de não sei 8 meses atrás, eu moro numa casa térrea, apareceu um ratinho em casa. Eu peguei ele vivo naquela gaiola de alçapão. Eu o levei a um matagal e o soltei. Por que eu vou matar um rato? Só porque ele é rato? Não. Todos nós temos que respeitar a vida. É isso que eu aprendi nesses 40 anos, respeitar a vida.

Tem um valor incrível a vida. E se o rato existe, deixa ele viver. Vou matar o rato, vai resolver o problema? Não, então deixa o bicho viver. Matar nunca, nunca se deve matar. Nada. Viver sim. Esse é o segredo da vida. Viver feliz para ficar bem. Por isso que eu sempre digo: "Eu vou".

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