AVENTURA

SJC: Aventureiro pedalou 3.000 km até o Uruguai e conheceu Mujica

Por Xandu Alves | São José dos Campos
| Tempo de leitura: 5 min
Divulgação
Carlos Eduardo ao lado de Pepe Mujica, em seu histórico Fusca azul
Carlos Eduardo ao lado de Pepe Mujica, em seu histórico Fusca azul

Carlos Eduardo Lemos de Oliveira, então com 28 anos, decidiu pedalar 2.930 quilômetros com sua bicicleta para ir de Alfenas, no sul de Minas Gerais, até o Uruguai, em sua primeira viagem internacional como ‘cicloturista’. Ele começou a aventura em 17 de outubro de 2014.

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Carlos Eduardo, à época artista plástico, planejou a viagem por cerca de um ano com um amigo, mas acabou tendo que fazê-la sozinho. “Em 34 dias e 2.930 km rodados, cruzei todo o sudeste e sul do país para entrar em terras internacionais e alcançar a capital do Uruguai”, conta.

No país vizinho ele encontrou uma das figuras políticas mais carismáticas do mundo, que na época presidia o Uruguai: José Alberto “Pepe” Mujica Cordano, que morreu nessa terça-feira (13) aos 89 anos de idade, em decorrência de um câncer.

“Um ser humano extraordinário, capaz de trazer brilho e esperança para um mundo moderno, construído por algoritmos que insistem em nos entregar o mal e a descrença em tudo”, disse Carlos Eduardo.

Morando em São José dos Campos há 10 anos, ao lado da esposa Débora e da filha Nina, de 5 anos, o mineiro de 38 anos fez da aventura sua profissão. Em 2018, fundou a Aventuraria, empresa voltada à comercialização de equipamentos técnicos para atividades ao ar livre. Há três anos, o negócio se transformou em agência e operadora de turismo de aventura.

Além de proprietário, Carlos Eduardo é guia de turismo em atrativos naturais regulamentado pelo Ministério do Turismo e opera expedições pelo Brasil.

Em primeira pessoa, ele conta com exclusividade a OVALE como foi o encontro com Pepe Mujica, em 21 de novembro de 2014, que ele classifica como um “acaso planejado”. Veja abaixo o relato.

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Algumas publicações na época fizeram a entender que eu havia pedalado quase 3000 km apenas para ver o Mujica, o que não é verdade. Eu tinha um sonho de infância de conhecer o extremo sul do Brasil, a cidade do Chuí, e carregava um carinho muito grande pelo nosso vizinho Uruguai. Tive algumas inspirações de amigos que pedalavam longas distâncias quando resolvi fazer esta viagem solo de Minas a Montevidéu.

O encontro com o Mujica eu diria que foi um acaso planejado. Eu estava no meu último dia em Montevidéu. Já havia andado pela cidade, conhecido alguns pontos turísticos, incluindo a sede onde trabalhava Pepe Mujica (Palácio Estevez).

No dia anterior eu parei em frente ao palácio pra descansar um pouco. Estava também na esperança de ver Mujica saindo para um café, como era costume do presidente, que ia até as lanchonetes próximas sem nenhuma vaidade por sua posição política.

Nesta espera acabei tendo um encontro com o Olívio Dutra, ex-ministro do Lula e ex-governador do Rio Grande do Sul.  Foi ao acaso e na hora nem me lembrava quem era Olívio. Perguntei sobre o encontro com Mujica e me disseram que era superdifícil e que precisava fazer uma carta pedindo agendamento.

Então, fui até a entrada do Palácio buscar informações com um segurança que não sabia muito como funcionava esses encontros, mas teve a boa vontade de perguntar na recepção. Na volta validou a dificuldade de acessar o presidente, mesmo que ele fosse tão popular e aberto a qualquer encontro.

Por um golpe feliz do destino, o "santo" do segurança bateu com o meu e, num papo descontraído, me informou com detalhes como chegar até a roça onde morava Pepe Mujica.

E assim foi. No dia de ir embora, sem muito o que fazer em Montevidéu, resolvi pegar a bicicleta e tentar o encontro. Cheguei à chácara de Pepe Mujica e fui barrado por um único guardinha, que não me informou se Pepe estava por lá ou não.

Peguei a bicicleta e voltei para a estrada e no caminho parei pra arrumar algumas coisas no bagageiro. Como tinha muito tempo ainda até o meu voo de retorno para o Brasil, decidi passar alguns minutos por ali. Quem sabe não teria sorte de ver Mujica indo para o trabalho?

E foi exatamente o que aconteceu. Depois de uns 30 minutos parado, já prestes a seguir viagem de volta pra Montevidéu, eis que avisto um fusca azul vindo do horizonte.

Mas fusca e propriedade rural são quase sinônimos, ou seja, poderia ser qualquer indivíduo dirigindo aquele veículo. E quando o carro estava a uns 30 metros de distância de onde eu estava na estrada, pude ver com clareza que se tratava de Pepe Mujica e sua esposa [Lucía Topolansky] no assento ao lado.

O fusquinha estava ligeiro e não tinha esperança nenhuma de que iria parar. Fiz um gesto rápido pedindo por um registro fotográfico quando o fusca passou por mim e parou logo à frente. Eu tive uma sensação absolutamente feliz naquele momento.

Pepe ainda me pediu licença para atender um telefonema e batemos um papo muito rápido. Perguntou de onde eu vinha, disse que conhecia Minas Gerais e que era longe demais e minhas pernas deveriam estar muito fortes pra ter chegado até ali. Pepe me concedeu uma foto e me desejou sorte na vida.

Foi assim que eu encontrei um dos homens mais admiráveis deste planeta. A viagem que fiz não foi por este encontro, embora tenha sido o encontro uma história que transformou a minha vida.

Pepe Mujica foi um ser humano extraordinário, capaz de trazer brilho e esperança para um mundo moderno, construído por algoritmos que insistem em nos entregar o mal e a descrença em tudo. Pepe era um grande pastor da vida simples, avesso ao consumismo desenfreado, um poeta das belezas da vida social e amorosa.

A meu ver, seu legado é vanguardista: Pepe trouxe para o presente o comportamento que teremos que adotar no futuro. De certo modo, minha visão de mundo e de vida atual foi, indiretamente, moldada por Mujica e por meu pai, que também é uma figura que usa seus sapatos até quando não se aceitam mais reformas. E assim sigo, transmitindo esse olhar para minha filha — a visão de um planeta onde a brincadeira deve ser maior que o brinquedo e as relações humanas, menos digitais. Da vida se leva apenas o que foi vivido, o resto são apenas átomos se agrupando para construir novas coisas.

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