
Recebi a notícia da passagem do Papa Francisco bem no momento em que eu findava a releitura do livro 'O futuro de uma ilusão'.
Para Freud a religião apareceu por necessidade humana, carência de proteção diante dos efeitos da natureza sobre as inconstâncias da vida, em especial das aflições diante da morte. A religião seria um modo de suportar o desamparo, o medo, a perda e a fragilidade diante das incógnitas.
Freud não era religioso. Embora tenha nascido numa família judia, não praticava religiosidade. Defendia a religião como algo ilusório. “Ilusório”, não no sentido de uma ilusão infiel ou fingida, mas como uma crença estruturada em desejos e pretensões profundas sem veracidades concretas.
Uma ilusão que se apropria da vulnerabilidade humana de acreditar em algo que traz conforto, que prega a esperança, que promete alívio para medos e angústias. “Um analgésico para a alma”, aliviando as dores da ferida existencial que não tem cura nem nunca terá.
Papa Francisco era uma espécie rara de humanos que trazia aromas de “analgésico para a alma”. Uma unção melhoradeira que estendia fios de acolhimento e práticas de esperança, compaixão, ética, justiça e igualdade.
Sua religião não era ilusória era amativa. Amor que não compactuava com igrejas que se uniram ao Estado para idolatrar extremismo político. Papa Francisco pensava fora da caixa dos fariseus e não concordava com a banalização que invadiu os arraiais católicos ou neo pentecostais reduzidos a pequenas homilias triunfalistas ou auditórios lotados no estilo pop gospel supérfluo, excedendo pragmatismo burguês e cinismo teológico.
Ele apostava no Cristo que se importa com os miseráveis do campo, das periferias urbanas, que se compadece com os refugiados, com os famintos, órfãs e viúvas. Dizia que a “a arte tem o poder de abrir as portas da mente e do coração”. Era um poeta com fé, com sal e luz sem discurso ufanista. Uma ternura vigilante de Jesus aquele que aprendi a amar, que ainda me bota perplexa e constrangida.