1,3 MIL FAMÍLIAS

Mesa Taubaté: secretário distorce lei para justificar corte

Por Julio Codazzi | Taubaté
| Tempo de leitura: 11 min
Reprodução/Redes Sociais
Marco Antônio Tolomio é o secretário de Desenvolvimento e Inclusão Social de Taubaté
Marco Antônio Tolomio é o secretário de Desenvolvimento e Inclusão Social de Taubaté

Em entrevista a OVALE, o secretário de Desenvolvimento e Inclusão Social, Marco Antônio Tolomio, distorceu trechos da legislação municipal para justificar o corte de 36% no número de famílias atendidas no Cartão Mesa Taubaté, o programa de transferência de renda da cidade.

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Apenas nos primeiros três meses do governo Sérgio Victor (Novo), de janeiro até março desse ano, foi registrada uma queda de 1.365 beneficiários. Mas o número de excluídos pode chegar a 1.430, já que a Prefeitura informou que 65 novas famílias passaram a ser atendidas no período.

Leia a reportagem sobre o corte aqui. Abaixo, confira a entrevista concedida pelo secretário à reportagem.

OVALE: Por que a Prefeitura decidiu fazer esse corte no número de beneficiários do programa?

Nós entramos na Prefeitura em janeiro. É uma Prefeitura que não tem processos, não existe controle de nada, absolutamente nada. O que nós detectamos? Existiam 3.700 pessoas sendo assistidas e mais de 500 pessoas inscritas há mais de um ano [na fila de espera] e que não tinham acesso ao cartão. Então nós tivemos que começar a fazer um entendimento de todo esse processo.

Quem são as 3.700 pessoas que recebem? Cruzamos com Cadastro Único, que é o Bolsa Família, ou o Benefício de Prestação Continuada, que é o BPC. Todas as 3.700 pessoas inseridas no cartão estavam inseridas em algum programa social. Se você pegar a lei que fundamenta o cartão de alimentação, diz claramente que esse cartão é para as pessoas que não estão sendo assistidas por nenhum programa do governo. E as 3.700 pessoas estavam sendo assistidas [Nota da Redação: a lei do programa, criada em setembro de 2021 e alterada em março de 2023, diz que devem ser priorizadas famílias que não estejam recebendo benefícios de outros programas de transferência de renda, mas não impede que pessoas contempladas com Bolsa Família ou BPC recebam o cartão].

Esse é o primeiro ponto. Segundo ponto, a lei que foi criada no município de Taubaté diz que o cartão é para seis meses, podendo ser prorrogado por mais seis, completando um ano [Nota da Redação: a lei previa inicialmente tempo máximo de 12 meses de permanência no programa, mas esse trecho foi alterado em março de 2023, e não há mais tempo máximo de permanência no programa]. 60% das pessoas que estavam inseridas no cartão, o que dá 2.500 pessoas, estavam no cartão entre um ano e meio e três anos, ininterruptamente.

O que nós fizemos? A média do cartão Bolsa Família é de R$ 800. Do BPC, é R$ 1.500. Pegamos as pessoas que estavam melhor assistidas e suprimimos. Elas abriram espaço para que nós pudéssemos inserir novas pessoas. Obrigatoriamente as 500 que esperavam [na fila] precisavam ser inseridas? Não. Qual foi a prioridade? Renda zero. No meio dessas 500 pessoas que aguardavam ser inseridas no cartão, muitas não estavam inseridas em programas nenhum, não tinham nenhum tipo de benefício. A gente está identificando. O mês de janeiro foram 20 [pessoas que entraram no programa], fevereiro foram 25, agora em março foram mais 20. E hoje estamos indo buscar as pessoas que acionam o Cras [Centro de Referência de Assistência Social] através de uma visita social, identificando qual é o contexto familiar e identificando a vulnerabilidade. Nós vamos inserir as pessoas que verdadeiramente têm necessidade de serem assistidas pelo cartão.

Se daqui a seis meses nós chegarmos à conclusão de que Taubaté tem 1.600 famílias em extrema vulnerabilidade precisando de cartão, ok. Se forem 4.000, serão 4.000. Mas a gente precisa fazer a coisa correta. O que nós temos feito? Conversado com vários proprietários de supermercado conveniados do cartão. O próprio proprietário diz: 'tem muita gente que vem aqui que não precisa desse cartão. Tem muita gente que vem de carro aqui'.

A pessoa quando vai fazer o cartão, ela dá a informação. Até então era assim. Hoje, não. Hoje, através de uma visita social, nós vamos conferir na casa da pessoa. Se você vai fazer uma visita social, tem gente com salão de cabeleireiro, tem salão de barbeiro, tem gente fazendo Uber, tem gente trabalhando como um informal para não ser registrado, para não perder os benefícios. Só que essas pessoas, elas estão tendo fonte de renda. E estão tirando espaço de pessoas que hoje estão precisando muito mais.

Se a pessoa foi cortada e está numa situação extrema de vulnerabilidade, só ligar para nós, que nós vamos fazer a visita social. E, se no contexto familiar, a visita social detectar que a pessoa tem necessidade, nós regressamos com o cartão. E isso já aconteceu. Nós já fizemos visita social de pessoas que foram cortadas e que nós imediatamente retornamos com o cartão. A volta do cartão está diretamente ligada a uma visita social para que possa ter verdadeiramente a identificação da necessidade.

Das 900 pessoas que foram cortadas [foram, pelo menos, 1.365], quantas até agora ligaram para nós e pediram a visita social? Vinte pessoas. Das 20 pessoas que foram visitadas, só três puderam retornar para o cartão. As demais, tiveram casos com salão de manicure, salão de cabeleireiro, salão de barbeiro, trabalhando na economia informal, trabalhando de Uber. Elas acabaram não voltando para o cartão, porque elas já estão assistidas de alguma forma e elas têm fontes de renda.

OVALE: Qual foi exatamente o critério adotado para saber se essa pessoa continuaria no programa ou seria cortada?

A gente detectou que essas pessoas já estavam assistidas pelo Bolsa Família ou pelo BPC. Qual é o critério da extrema vulnerabilidade que o próprio governo federal diz? R$ 216 [de renda per capita]. As pessoas que saíram do cartão estão com a renda familiar per capita de R$ 500 [Nota da Redação: a lei municipal permite que pessoas com renda familiar per capita de até meio salário mínimo, o que corresponde atualmente a R$ 759, sejam contempladas].

OVALE: Vocês cortaram quem tem renda familiar per capita acima de R$ 216 ou de R$ 500?

Acima de R$ 400. Mas, lembrando, todas essas pessoas já estavam recebendo o cartão entre um ano e meio e três anos. Não são pessoas que receberam só seis meses, são pessoas que já estavam acima daquilo que a própria lei do cartão alimentação fala, de seis meses, podendo ser prorrogado por mais seis, completando um ano. Bateu um ano, a pessoa tem que deixar o ciclo para permitir que outros entrem [Nota da Redação: criada em setembro de 2021, a lei previa inicialmente tempo máximo de 12 meses de permanência no programa, mas esse trecho foi alterado em março de 2023, e não há mais tempo máximo de permanência no programa].

OVALE: O senhor disse que essas pessoas precisam deixar o ciclo para outros entrarem. Pelos números que a Prefeitura passou, vocês cortaram 1.365 beneficiários. E o senhor disse que entraram 65. Então, vocês primeiro criaram um espaço para saber se haveria demanda?

Nós primeiro precisamos identificar o que é necessário fazer nesse momento. Hoje você tem 3.700 cartões, mas são 3.700 pessoas que precisam do cartão ou são 1.000, ou são 1.500, ou 2.000, ou 5.000? Hoje a cidade não tem como responder isso. Ninguém na cidade tem esse número.
Se você fala que tirou 900 [foram, pelo menos, 1.365], obrigatoriamente precisam entrar outros 900? Se nós não tivermos esse número nesse momento, não precisa. Mas hoje nós temos espaço para inserir todas as pessoas que nós encontramos em situação de vulnerabilidade. E por que não permanecem os 900? Porque essas pessoas não estão em situação de vulnerabilidade. Elas estão assistidas, elas não estão abandonadas, elas têm renda per capita conforme o próprio governo federal estabelece, uma renda per capita capaz de ter dignidade e alimentação.

OVALE: O senhor disse que cortaram quem tem renda per capita acima de R$ 400. Um casal com renda de R$ 800, daria R$ 400 de renda per capita. Eles não precisariam dessa ajuda da Prefeitura?

Vou dar o exemplo para você de umas das pessoas que perderam o cartão. Ela tinha LOAS [outro nome do BPC] de R$1.500. Ela nos acionou, alegava ter uma condição de extrema vulnerabilidade. Nós fizemos visita social e detectamos que mesmo com os R$ 1.500, ela precisava pagar aluguel, aquelas coisas, e ela se enquadrava na reinserção do cardão. Ela foi reinserida no cartão. Nós só queremos inserir as pessoas que realmente precisam.

OVALE: Mas não é um pouco drástico cortar o cartão para depois ver se a pessoa precisava ou não? Não era melhor fazer visita antes, para saber se as pessoas precisavam ser mantidas?

Não. Se eu não fizer o corte, nunca vai ter a obrigação da pessoa chamar o nosso serviço. Nós não temos braços suficientes pra atender 3.900 imediatamente. A redução foi de 1.300. Quantas pessoas nos acionaram até agora? 20. Quando foi mandado no WhatsApp [a mensagem sobre o corte] para todo mundo, foi dito para as pessoas que poderiam acionar o serviço. E dos 20 que nos acionaram, quantas pessoas foram reinseridas? Três, porque as outras 17 têm um contexto familiar que não condiz com a necessidade do cartão. Não é injustiça, a questão é de fazer o correto.

Uma das pessoas, das 20 que nos acionaram, quando a assistente social chegou no local, tinham dois carros na garagem. O que nós ouvimos? 'Perdão, eu acionei o serviço errado, eu não sou merecedor disso'. Pessoas que não têm necessidade, elas precisam deixar de ser assistidas.

Nós estamos procurando fazer um trabalho sério, com respeito ao cidadão. O cara não recebeu o cartão, está precisando imediatamente. Nós mandamos para todos os Cras 20 kits de alimentação. São 7 Cras, são 140 cestas. Se o cara chegar lá e falar que não tem o que comer, ele vai sair com uma cesta. Nós mandamos toda semana 20 cestas para cada Cras. Não é que deixamos o pessoal a ver navios. Nós deixamos uma retaguarda, justamente para assistir se alguma pessoa pedir socorro. Nenhuma pessoa nesse município estará deixando de ser assistida. A gente precisa organizar. Os processos na Prefeitura não existiam. O que nós estamos fazendo é a organização dos processos.

OVALE: O senhor está falando que assumiu uma secretaria que tinha um programa em que mais de um terço dos beneficiários não deveriam ser atendidos?

Sim, é isso que nós estamos enfrentando. Essa é a grande realidade. Eu falo para você com muita tranquilidade. Foi criado um programa político, em que foram distribuídos irresponsavelmente os cartões. Estou entrando em contato com todos os municípios. São José [dos Campos], sabe quantas cestas básicas distribui? Nenhuma. Em Guaratinguetá, são 100 cestas básicas. Taubaté tem um programa político. E a maneira como ele foi coordenado no município foi irresponsável.

OVALE: O senhor pretende então, mais para a frente, fazer um pente fino nos beneficiários com renda per capita abaixo de R$ 400?

Se sobraram hoje cerca de 2.600 pessoas [são 2.368], continua uma média de 50% de pessoas que recebem esse cartão entre um ano e meio e três anos. Poderíamos continuar cortando, mas paramos. E estamos na busca agora das pessoas que estão fazendo cadastro. Se for necessário, nós vamos fazendo as substituições, ou a inclusão, sem ter a necessidade de retirada [de mais pessoas].

Mas vamos continuar o trabalho, nesses 2.600 que sobraram, para saber se verdadeiramente essas pessoas precisam ou não precisam. Temos que fazer o correto, senão a gente continua incorrendo no grande equívoco que foi a criação do cartão e de ter sido distribuído de uma forma aleatória e sem uma regra verdadeira a ser seguida.

Outro índice que eu passo. Em julho do ano passado, o Bolsa Família, que é o programa do governo federal, tinha 12.900 pessoas recebendo em Taubaté. Agora, em abril, esse número caiu pra 11.300 pessoas. Então, tinham 1.600 pessoas recebendo o Bolsa Família sem a necessidade de receber. Não é uma prerrogativa nossa [da Prefeitura], é uma necessidade dos governos de ter programas sociais feitos de uma forma correta.

OVALE: No início do ano, o prefeito orientou que todas as secretarias reduzissem os gastos em 30%. E o corte no programa foi de 36%. O objetivo desse corte foi atingir a economia que havia sido pedida?

Não. O corte da Prefeitura, de 30%, tem a ver com cargo de gestão, redução da folha com questão de cargos que foram criados. Agora, com relação aos contratos, não foi falado que era para reduzir. O que o governo está fazendo é chamar os contratos vencidos, que a Prefeitura tem que pagar, e renegociando a dívida. Com relação aos cartões, independentemente da redução do número de reabastecimento dos cartões, não foi feita a supressão do contrato. O contrato continua exatamente o mesmo do ano passado.

OVALE: Mas o custo do programa caiu, né?

Você economizou, mas eu não estou dizendo que eu vou manter a economia. Se o cenário indicar que eu preciso voltar com os números, o contrato está aberto, é só voltar. Existe uma previsão orçamentária para esse pagamento. Seria diferente se eu pegasse e fizesse a supressão do contrato, e falasse: 'a partir de agora não volto mais, a partir de hoje são só 2.300 cartões'. E isso não foi feito. Então, a qualquer momento, o cartão pode voltar novamente aos seus números se o cenário mostrar que é isso é possível, no sentido de que as famílias estão precisando.

OVALE: O senhor tem previsão de quando será possível fazer, em 2025, o reajuste anual do contrato?

No ano passado, reajustaram o cartão em março. Não tem uma data em que precisa ser reajustado, precisa ser reajustado durante um período. Estamos nos organizando para tentar fazer um reajuste do cartão no segundo semestre.

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