SAÚDE

Quando a saúde pública se torna moeda de troca na política

Por Fabrício Correia | São José dos Campos
| Tempo de leitura: 3 min
Jornalista
Agência Brasil

A demissão de Nísia Trindade do Ministério da Saúde representa mais um episódio da barganha política que rege Brasília desde os primórdios. Apesar de uma gestão bem-sucedida, respaldada por uma trajetória acadêmica e institucional incontestável, a ministra foi removida do cargo para atender às pressões do Congresso. Sua substituição por Alexandre Padilha, um nome técnico e experiente, ameniza o impacto imediato da troca, mas não esconde o problema estrutural: a saúde pública brasileira continua refém da lógica da governabilidade e das exigências do Centrão.

Nísia Trindade foi a primeira mulher na história a ser ministra da saúde. Socióloga e primeira mulher também a comandar a Fiocruz, sua atuação foi fundamental no combate à COVID-19, liderando a produção nacional da vacina AstraZeneca e garantindo autonomia ao Brasil na imunização. No Ministério da Saúde, trabalhou pela reconstrução de políticas públicas enfraquecidas nos últimos anos, resgatando programas como o Mais Médicos, fortalecendo o SUS e ampliando campanhas de vacinação em um cenário de crescente desinformação. Sua gestão marcou um esforço concreto para devolver credibilidade à ciência e à saúde pública, enfrentando desafios que iam desde a reorganização orçamentária até a recuperação da confiança da população na imunização infantil.

Apesar desse histórico, sua permanência no cargo esbarrou em uma realidade incontornável: a necessidade do governo de ceder espaço ao Congresso. O Centrão, que há tempos pressiona por maior influência no Ministério da Saúde, conseguiu o que queria. Lula, para garantir estabilidade política e evitar turbulências legislativas, optou por sacrificar uma ministra técnica em nome da governabilidade. A escolha de Padilha, médico e ex-ministro da Saúde, traz alívio, pois é um agente  que conhece o setor e tem experiência na gestão pública. No entanto, a troca de comando carrega um simbolismo perigoso: mais uma vez, a política atropela a técnica, e a saúde pública se torna uma peça no tabuleiro das negociações partidárias.

A história se repete. O mesmo aconteceu com Ana Moser no Ministério do Esporte, que, apesar de seu compromisso com a pasta, foi substituída por um nome mais conveniente para a base governista. Agora, com Nísia, o governo demonstra que, por mais que tente equilibrar sua composição entre técnicos e políticos, a governabilidade sempre terá um custo alto. E esse custo, frequentemente, é pago por aqueles que estão no governo para trabalhar, e não para negociar cargos.

A grande questão é: o que essa troca significa para o futuro do Ministério da Saúde? Alexandre Padilha tem capacidade técnica para dar continuidade aos avanços de Nísia, mas sua chegada ao cargo não se deve exclusivamente ao mérito, e sim a uma necessidade política do Planalto. O risco é que esse movimento abra precedentes para novas interferências políticas em áreas que deveriam estar blindadas desse tipo de influência.

A saída de Nísia Trindade deixa claro que, no Brasil, mesmo as gestões mais bem avaliadas não estão seguras quando há um Congresso faminto por espaços. Sua demissão não se deu por incompetência ou falhas administrativas, mas porque o governo precisa manter sua frágil aliança com parlamentares que enxergam ministérios como moeda de troca. Isso reforça um ciclo vicioso em que a política dita as regras e a população, que depende de um sistema de saúde eficiente, fica em segundo plano.

Se há um alívio na substituição, ele está no fato de que Padilha não é um nome qualquer, mas um quadro qualificado que conhece o Ministério da Saúde. No entanto, a forma como essa mudança aconteceu deixa um alerta: até quando a ciência e a saúde pública conseguirão resistir ao peso da política?

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