ANÁLISE

A era da política-espetáculo : Nikolas Ferreira

Por Fabrício Correia | São José dos Campos
| Tempo de leitura: 3 min
Reprodução
Nikolas Ferreira no vídeo sobre o Pix
Nikolas Ferreira no vídeo sobre o Pix

Nikolas Ferreira é o sintoma mais evidente de uma transformação profunda no modo como a política é exercida atualmente no Brasil. Jovem, polêmico e habilidoso no uso das redes sociais, ele não apenas ocupa o espaço digital com maestria, mas o transforma em sua principal arena de atuação. No entanto, o que sua ascensão revela sobre o estado da política brasileira vai além de sua figura individual: trata-se de um modelo que privilegia o engajamento acima do conteúdo e a provocação acima da substância.

Em uma democracia, o embate de ideias sempre foi saudável e necessário. Mas, na era da política-espetáculo, o debate cede espaço à polarização agressiva. O que está em jogo já não é convencer o eleitor de uma visão de mundo ou apresentar propostas concretas, mas capturar sua atenção por meio do impacto emocional. E Nikolas faz isso como poucos: suas postagens combinam ironia, indignação e um apelo à identidade conservadora que mobiliza milhões. Ele é uma marca que vende pertencimento a uma causa.

Mas há um custo para essa estratégia. A política de Nikolas – e de outros que seguem o mesmo modelo – não se preocupa em construir pontes. Ao contrário, ela prospera na construção de muros. Quando o objetivo é mobilizar seguidores com base no antagonismo, o diálogo perde relevância e o espaço público se torna um campo de guerra. Isso não é apenas uma questão de estilo, mas de consequências. Ao transformar adversários políticos em inimigos existenciais, cria-se uma atmosfera de intolerância que paralisa avanços e destrói a possibilidade de consenso.

Evidentemente, Nikolas Ferreira não inventou essa fórmula. Ele é fruto de um ambiente onde as redes sociais tornaram-se o principal meio de formação de opinião. Em vez de debates aprofundados, o algoritmo premia frases de efeito e ataques contundentes. A simplificação do discurso não é uma escolha individual, mas uma resposta à lógica da mídia digital. E o que está em jogo não é apenas a política brasileira, mas a própria saúde da democracia.

O que resta saber é até onde esse modelo pode nos levar. A política-espetáculo oferece recompensas imediatas – popularidade, curtidas, engajamento –, mas pode corroer os pilares do sistema político. Sem diálogo, sem compromissos e sem respeito às diferenças, a democracia deixa de ser um espaço de convivência plural e se torna um campo de batalha onde a vitória de um lado é a aniquilação do outro.

Nikolas Ferreira representa o auge de uma tendência perigosa, mas também aponta para um alerta. Enquanto políticos progressistas e moderados permanecerem alheios à lógica das redes, deixarão o campo livre para que figuras como ele dominem o discurso. Não basta criticar; é preciso entender. Não basta resistir; é preciso ocupar. Se a esquerda e o centro querem disputar a narrativa, terão que sair da defensiva e aprender a dialogar com um público que, na era do Instagram e do TikTok, exige mais do que ideias: exige impacto.

O desafio, portanto, não é combater Nikolas Ferreira e o que ele representa. É reinventar a política em um mundo digital, sem abrir mão dos princípios que fazem da democracia um espaço de diversidade e construção coletiva. Afinal, o futuro da política não pode ser decidido pelo algoritmo. E talvez o primeiro passo seja resgatar a ideia de que, antes de ser um espetáculo, ela deve ser um serviço à sociedade.

Fabrício Correia é escritor, historiador e professor universitário. Foi presidente da Academia Joseense de Letras

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