
Duas CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito) abertas na Câmara de Taubaté para blindar o governo do ex-prefeito José Saud (PP) foram encerradas sem realizar nenhuma reunião pública para a coleta de depoimentos.
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Dominadas pela base aliada ao então prefeito, as CPIs da EcoTaubaté e a do IPMT (Instituto de Previdência do Município de Taubaté) foram criadas em maio de 2021 como parte de uma estratégia para impedir que o governo fosse alvo de investigações na Câmara. No entanto, a tática deu errado, devido a uma lambança da bancada governista (leia mais abaixo).
Em mais de três anos e meio, as duas comissões se limitaram a requisições de informações e de documentos sobre os casos que supostamente seriam investigados. Devido ao fim da legislatura passada, as CPIs foram encerradas em dezembro de 2024. As duas comissões protocolaram relatórios finais no dia 20 do mês passado - os documentos, que não avançam nos temas, vieram a público somente esse mês, após questionamentos da reportagem.
IPMT.
A CPI do IPMT, que teve a abertura aprovada inicialmente em 11 de maio de 2021, deveria apurar a situação financeira do instituto de previdência municipal. O prazo inicial era de 90 dias, mas a comissão não solicitou a prorrogação a tempo. Resultado: a CPI original foi extinta e uma nova comissão foi aberta em novembro daquele ano, com prazo de 90 dias. Em fevereiro de 2022, esse prazo foi prorrogado até dezembro de 2024, quando terminaria a legislatura.
Durante o período em que a CPI esteve aberta, fatos relevantes relacionados à situação financeira do IPMT ocorreram. Em 2022, a Câmara aprovou o parcelamento, em 12 anos, de uma dívida de R$ 108,5 milhões da Prefeitura com o órgão, referente a repasses não efetuados no governo do ex-prefeito Ortiz Junior (sem partido). Em 2024, o Legislativo aprovou o parcelamento, em cinco anos, de uma dívida de R$ 174,3 milhões referente a repasses não efetuados no governo Saud, entre dezembro de 2022 e agosto do ano passado.
A CPI não convocou nenhum representante dos governos Ortiz ou Saud para prestar esclarecimentos. Protocolado no fim de dezembro, o relatório final da comissão tem quatro páginas e não traz nenhuma novidade sobre a situação financeira do IPMT. Questionado pela reportagem, o ex-vereador Marcelo Macedo (MDB), que presidiu a comissão, não quis se manifestar.
EcoTaubaté.
A CPI da EcoTaubaté, que investigaria a atuação da empresa responsável pela limpeza urbana do município, teve a abertura aprovada em 18 de maio de 2021. O prazo inicial era de 180 dias, mas em novembro daquele ano foi prorrogado até dezembro de 2024.
Enquanto a CPI esteve aberta, a Prefeitura admitiu uma dívida de R$ 67,549 milhões com a empresa, sendo R$ 28,154 milhões referentes a reajustes contratuais que não foram aplicados em 2021 e 2022, e R$ 39,395 milhões que deixaram de ser pagos em 2023. Além disso, o custo mensal do contrato foi reduzido em quase 40% em agosto de 2023, o que levou a cortes em serviços como coleta seletiva, varrição, roçada e limpeza de boca de lobo, e também provocou a demissão de ao menos 180 dos 500 funcionários.
A CPI não convocou nenhum representante do governo Ortiz, que assinou o contrato com a empresa, ou da gestão Saud, que acumulou dívidas com a EcoTaubaté. Também não foram ouvidos representantes da empresa ou do sindicato da categoria. O relatório final da comissão tem 37 páginas, mas também não traz avanços sobre a questão. Questionado pela reportagem, o vereador Diego Fonseca (PL), que presidiu a comissão, não quis se manifestar.
Falha na blindagem.
Como o regimento interno da Câmara permite que apenas três CPIs funcionem ao mesmo tempo, a abertura de três comissões no início de cada legislatura é uma estratégia recorrente das bases governistas para blindar os prefeitos.
Em 11 de maio de 2021, também havia sido aprovada a criação da CPI da Zona Azul. O prazo inicial era de 90 dias, mas depois foi ampliado até 30 de novembro de 2022. Como o regimento interno permite apenas uma prorrogação, a comissão foi extinta nessa data, sem que tivesse realizado nenhuma oitiva e sem apresentar relatório final.
Aproveitando a brecha deixada pela extinção da CPI da Zona Azul, a oposição conseguiu aprovar em fevereiro de 2022 a criação da CPI da Saúde, que investigou denúncias de irregularidade relacionadas às terceirizações promovidas na saúde durante o governo Saud. Com uma série de depoimentos realizados, a comissão provocou desgaste político para o prefeito, que chegou a buscar na Justiça a suspensão dos trabalhos. Em dezembro de 2024, no entanto, a base aliada conseguiu a rejeição do relatório final da CPI em plenário.
Histórico.
Nas últimas legislaturas da Câmara de Taubaté, as CPIs propostas pelas bancadas governistas para blindar os prefeitos ficaram marcadas por trapalhadas e desperdício de trabalho.
Na legislatura de 2013 a 2016, por exemplo, quando Ortiz era o prefeito, quatro CPIs foram extintas por perderem o prazo: da Unitau (Universidade de Taubaté), da Dengue, da Superbactéria e dos Radares.
Na legislatura de 2017 a 2020, também com Ortiz como prefeito, mais duas comissões foram extintas por perderem o prazo: das Enchentes e dos Postes. Além disso, outras três CPIs – da Sabesp, da Essencial e da Covid – foram encerradas em dezembro de 2020 sem divulgar os relatórios finais e sem a votação desses documentos em plenário.
Repetição.
Na atual legislatura, a base aliada ao prefeito Sérgio Victor (Novo) tenta repetir a blindagem. No dia 6 de janeiro, em um intervalo de apenas três horas, os governistas protocolaram pedidos para abrir as CPIs dos Radares, da Sabesp e da EDP.
No dia 8, um grupo formado por vereadores que se classificam como independentes e de oposição protocolou dois pedidos de abertura de CPI - uma também sobre radares de trânsito e a outra sobre o contrato da merenda escolar. No dia 10, esse mesmo grupo protocolou um terceiro pedido, para abrir uma CPI sobre o contrato de publicidade oficial da Prefeitura.
Esse segundo grupo argumenta que os pedidos feitos pela base aliada ao prefeito não respeitaram o Regimento Interno. A Procuradoria Legislativa concordou em partes, e apontou que os requerimentos que pedem a criação das CPIs da Sabesp e da EDP não justificaram devidamente a necessidade das investigações. A decisão caberá ao presidente da Câmara, Richardson da Padaria (União). Caso esses dois requerimentos sejam desconsiderados, o grupo formado por vereadores que se classificam como independentes e de oposição poderá abrir outras duas CPIs.