GLOBO DE OURO

O que a vitória de Fernanda Torres representa para o cinema?

Por Fabrício Correia | São José dos Campos
| Tempo de leitura: 4 min
Jornalista, escritor e crítico de cinema
Agência Brasil
Fernanda Torres, vencedora do Golden Globe
Fernanda Torres, vencedora do Golden Globe

A noite de 5 de janeiro de 2025 será lembrada como um marco para o cinema brasileiro e um indicativo das transformações na indústria cinematográfica no mundo. Fernanda Torres, uma das maiores atrizes de sua geração, conquistou o Globo de Ouro na categoria de Melhor Atriz em Filme de Drama por sua interpretação em “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles. Sua vitória coroou um talento incontestável e  também simbolizou uma ruptura nos padrões que há muito definem o cenário das grandes premiações.

A cerimônia, que historicamente favorece grandes produções hollywoodianas, (embora com um colégio eleitoral restrito, cerca de cem jornalistas) mostrou-se mais aberta ao impacto emocional e narrativo de obras internacionais. A vitória de Fernanda, ao desbancar nomes como Nicole Kidman, Tilda Swinton, Angelina Jolie e Kate Winslet, foi a grande surpresa da noite; um momento emblemático que reposicionou o Brasil no mapa do cinema mundial.

A performance de Fernanda em “Ainda Estou Aqui”, um drama intimista que explora os dilemas pessoais e políticos de Eunice Paiva, foi descrita como visceral e profundamente conectada ao espírito do filme. Walter Salles, que dirigiu também “Central do Brasil”, trouxe ao longa uma sensibilidade que é sua marca registrada, mas foi o comprometimento de Fernanda que elevou o projeto. Seu discurso emocionado, em que dedicou o prêmio à mãe, Fernanda Montenegro, destacou a continuidade geracional e a resiliência da arte brasileira em enfrentar barreiras históricas.

A vitória de “Ainda Estou Aqui” também reflete movimentos estratégicos da indústria brasileira, que soube posicionar o filme nas premiações internacionais. O esforço de distribuição e marketing, essencial para que a obra fosse notada em um mercado tão competitivo, mostra como o Brasil pode aprender com outros países, como a Coreia do Sul, que conquistou o Oscar com “Parasita”. Esse planejamento, aliado à qualidade do filme, é uma lição valiosa para o futuro da produção nacional.

No entanto, a noite não foi apenas sobre Fernanda. Os grandes vencedores da cerimônia, “Emilia Perez” e “O Brutalista”, mostraram que a indústria global está em busca de narrativas que transcendem gêneros e fórmulas tradicionais. “Emilia Perez”, dirigido por Jacques Audiard, destacou-se por sua ousadia estética e temática, levando quatro prêmios, incluindo Melhor Filme de Comédia ou Musical e Melhor Filme em Língua Não Inglesa. Já “O Brutalista”, uma obra profundamente introspectiva, levou as principais categorias de drama, incluindo Melhor Filme e Melhor Ator para Adrien Brody.

Essas escolhas revelam uma clara tendência das premiações em valorizar histórias que desafiam convenções, algo que se reflete também na televisão. O domínio de “Shõgun” no segmento dramático e o reconhecimento de comédias como “Hacks” indicam que o público e a crítica buscam autenticidade e originalidade em tempos de saturação de conteúdo.

Outro ponto digno de nota foi o papel da imprensa internacional, que desempenhou um papel central em amplificar a vitória de Fernanda Torres. Veículos como a BBC News, The Guardian e Variety destacaram não apenas sua atuação, mas também o impacto cultural de sua vitória. Comparações com uma conquista de Copa do Mundo para o Brasil e menções à relevância histórica de Fernanda Montenegro reforçaram a dimensão simbólica do momento.

Por outro lado, é impossível ignorar o contexto político e social em que “Ainda Estou Aqui” se insere. O filme ressoa em um Brasil polarizado e em um mundo ainda abalado por crises políticas e econômicas. A narrativa do filme e o discurso de Fernanda Torres tocam diretamente em questões de resiliência, luta por justiça e sobrevivência em tempos difíceis, temas que transcendem fronteiras e encontram eco em plateias globais.

A noite do Globo de Ouro 2025 também reacendeu debates sobre como a premiação influencia outras cerimônias, especialmente o Oscar. Embora as diferenças no perfil dos votantes sejam significativas, o impacto emocional e a visibilidade proporcionados pelo Globo de Ouro podem ser determinantes para o destino de “Ainda Estou Aqui”. A inclusão do filme entre os 14 pré-selecionados para o Oscar de Melhor Filme Internacional já é um sinal promissor, e a vitória de Fernanda coloca ainda mais pressão sobre a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas para reconhecer a obra.

Acertei 21 dos 27 prêmios, conforme publicado no portal “Viva Noite”, inclusive a vitória de Fernanda Torres, para mim um reflexo claro de como o cinema brasileiro pode, com estratégia, qualidade e histórias universais, conquistar um espaço de protagonismo em todo o mundo.

No palco, Fernanda disse: “Vocês não têm ideia do que isso significa para o meu país.” E talvez ela tenha razão. Essa vitória não é apenas dela; é um triunfo para o Brasil e um lembrete poderoso de que, mesmo em tempos difíceis, a arte continua sendo nossa maior força.

  • Fabrício Correia é jornalista, escritor e crítico de cinema. Membro da Academia Brasileira de Cinema, instituição responsável pela indicação do filme brasileiro para a disputa do Oscar.

Comentários

1 Comentários

  • Van?aaallas 1 dia atras
    Confira sempre nas indicações de filmes de Fabrício Correia! Ele me indica pérolas desde os idos de 1990. Como é bom um amigo tão leal e inteligente ???????????????????????