A Justiça decretou nessa quarta-feira (16) a prisão de três médicos de Taubaté que foram condenados no ‘Caso Kalume’, como ficou conhecido nacionalmente o esquema de tráfico de órgãos humanos descoberto na década de 1980.
Clique aqui para fazer parte da comunidade de OVALE no WhatsApp e receber notícias em primeira mão. E clique aqui para participar também do canal de OVALE no WhatsApp
Pedro Henrique Masjuan Torrecillas, Rui Noronha Sacramento e Mariano Fiore Junior foram condenados em 2011 a 17 anos e seis meses de prisão, mas recorriam em liberdade. No mês passado, no entanto, ao analisar outro processo, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que condenados pelo júri popular podem ser presos imediatamente.
A defesa de Rui Noronha Sacramento afirmou que considera a decisão "ilegal" e que já apresentou recurso ao Tribunal de Justiça contra a prisão do médico. "A defesa avalia a decisão como ilegal. Há várias ilegalidades. Cito algumas: primeiramente, o direito de recorrer em liberdade já havia sido assegurado em decisão que transitou em julgado. E, portanto, não pode ser alterada. Segundo, que a decisão do STF não obriga a prisão. Ela autoriza. Há que ser analisado caso a caso. No caso concreto, Rui Sacramento responde ao processo em liberdade há 38 anos, sem causar qualquer embaraço. Nada justifica uma execução antecipada de uma pena, havendo ainda recurso pendente. Já impetramos um habeas corpus perante o Tribunal de Justiça de São Paulo, requerendo a revogação do despacho", afirmou o advogado Sérgio Alvarenga.
O advogado Leonardo Máximo, que defende Pedro Henrique Masjuan Torrecillas, afirmou que "lamenta e discorda inteiramente da decisão" que determinou a prisão do médico "enquanto ainda pende de julgamento recurso cujo objeto é justamente a anulação da condenação que lhe foi imposta. Sendo assim, tomará todas as medidas jurídicas cabíveis para restabelecer a garantia da presunção de inocência de seu cliente, que lhe é assegurada constitucionalmente. Por fim, deseja esclarecer que Pedro Henrique compareceu a todos os atos do processo, desde o inquérito policial até o julgamento pelo Tribunal do Júri, sempre em respeito ao Poder Judiciário e visando provar sua inocência em relação aos supostos homicídios que lhe foram injustamente atribuídos".
O advogado Sérgio Badaró, responsável pela defesa de Mariano Fiore Junior, afirmou que "respeita o entendimento da Justiça, mas diverge dele profundamente". O defensor alegou que, como a decisão do STF se baseou em uma alteração feita em 2019 no Código de Processo Penal, não poderia ser aplicada no caso dos médicos. "Esses fatos [imputados aos médicos] se passaram em 1986. Na esfera penal, a lei não retroage para prejudicar o réu". O advogado argumentou ainda que, quando os médicos foram condenados, em 2011, a decisão apontou que poderiam recorrer em liberdade, e que não houve recurso do Ministério Público sobre esse ponto. "Essa matéria transitou em julgado. Não é possível agora que se altere isso". O defensor disse também que já apresentou recurso ao TJ contra a prisão do cliente. "Nós impetramos hoje à tarde um habeas corpus pedindo liminarmente para suspender essa decisão e, no mérito, para que essa decisão seja cassada".
Caso Kalume.
A denúncia foi feita ao Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo) em 1987 pelo médico Roosevelt Kalume, então diretor da Faculdade de Medicina de Taubaté. Kalume relatou que colegas de profissão haviam implantado um programa ilegal de retirada de rins de pacientes ainda vivos para doação e transplantes.
O caso, que foi batizado com o nome do denunciante, ficou conhecido nacionalmente e passou a ser investigado pela Polícia Civil. O inquérito, concluído apenas em 1996, apontou que quatro médicos eram responsáveis pelas mortes de quatro pacientes, ocorridas em 1986, no antigo Hosic (Hospital Santa Isabel de Clínicas), que funcionava onde fica atualmente o Hospital Regional.
Um dos acusados, o médico Antônio Aurélio de Carvalho Monteiro, morreu em maio de 2011, antes do caso ser julgado.
Julgamentos.
Em outubro de 2011, os outros três réus – os médicos Pedro Henrique Masjuan Torrecillas, Rui Noronha Sacramento e Mariano Fiore Junior – foram a júri popular e acabaram condenados a 17 anos e seis meses de prisão. Eles dizem ser inocentes e afirmam que os pacientes já estavam mortos quantos os rins foram retirados.
No júri popular de 2011, uma enfermeira foi ouvida como testemunha e disse que presenciou quando um dos médicos enfiou um bisturi no peito de um dos pacientes que ainda se debatia. Os quatro casos considerados homicídios dolosos foram as mortes de José Miguel da Silva, Alex de Lima, Irani Gobo e José Faria Carneiro. Pela denúncia do MP, eles morreram após a retirada dos rins, que depois seriam levados para São Paulo, para uma rede de transplante de órgãos.
Os médicos recorreram ao Tribunal de Justiça para pedir a anulação do júri popular, sob a alegação de que houve cerceamento de defesa e que a decisão dos jurados teria contrariado as provas do processo, mas a condenação foi mantida pela 6ª Câmara de Direito Criminal em junho de 2021 – os desembargadores determinaram apenas a redução da pena, que passou a ser de 15 anos de prisão.
Além de não terem sido presos ao longo do processo, os três médicos continuam com os registros ativos no Cremesp – eles podiam trabalhar normalmente porque foram absolvidos das acusações de tráfico de órgãos e de eutanásia nos procedimentos administrativos e éticos do Cremesp, em 1988, e do CFM (Conselho Federal de Medicina), em 1993.