ARTIGO

A delicadeza das flores ou a robustez do carvalho?

Por Francisco Estefogo | Taubaté
| Tempo de leitura: 5 min
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DILEMAS DA EXISTÊNCIA
DILEMAS DA EXISTÊNCIA

Bestseller com mais de 5 milhões de cópias vendidas só no Brasil, o livro É assim que acaba, escrito por Colleen Hoover, recentemente estreou sua versão cinematográfica homônima país afora. Para além de um romance que retrata os dilemas humanos relacionados às nossas escolhas e suas consequências, em particular, na seara da violência doméstica sofrida pela personagem principal, Lily, as nuances multimodais atinentes ao roteiro, à música e à fotografia, dentre outras particularidades do gênero, propiciam reflexões sobre a existência humana e a filosofia do cuidado. Mais particularmente, as flores, ao exibir cores vibrantes e perfumes agradáveis, florescem em sua plenitude por um curto período. Apesar da vida breve, essas beldades coloridas podem ser compreendidas como um valor intrínseco à fragilidade humana. Nessa célere transitoriedade, retratam, de alguma forma, a beleza e a delicadeza que existem no efêmero presente. Em contrataste, ao ostentar imponente presença, o carvalho espelha a potência e a resistência da humanidade, especialmente, a considerar sua octanagem coletiva em prol da força necessária para enfrentar a realidade e as intempéries do mundo.

A efemeridade das flores pode ser associada à ideia de impermanência, pensamento central de filósofos como Heráclito (500-450 a.C.) que ressaltava a interrupta fluidez da vida. A constante mudança e o curto ciclo de vida das flores ilustram essa transitoriedade de todos os fenômenos humanos. Nesse esteio, o ato de cuidar das flores, mesmo sabendo que elas brevemente desaparecerão, é um reconhecimento da importância do agora, bem como do que é passageiro em nossas vidas.

Por outro lado, a robustez e longevidade o carvalho simboliza a durabilidade e a resistência às inexoráveis mazelas do percurso da nossa existência. Trata-se de um elemento que pode ser correlacionado ao conceito de eternidade ou de permanência, uns dos temas fulcrais no pensamento de Platão (428-348 a.C.), filósofo grego. O mundo platônico aponta que as formas perfeitas e eternas existem além do mundo sensível. O carvalho, com suas raízes profundas e tronco resistente, parece transcender o tempo, a julgar o paralelismo com a finitude humana. Afora outros dilemas, ao contrastar a fugacidade das flores com a fortaleza do carvalho, instala-se, de alguma forma, uma tensão filosófica entre o que é passageiro e o que é duradouro. 
Heidegger (1889-1976), filósofo alemão, em suas reflexões sobre o ser e o tempo, postula que a autenticidade da vida humana reside na consciência da finitude. As flores, ao simbolizarem o transitório, destacam o caráter finito do nosso próprio percurso existencial. Cuidar das flores, portanto, é zelar pelo que somos na nossa essência finita, ou seja, é abraçar a nossa condição temporária e encontrar esplendor na brevidade. Contudo, ao admirarmos o carvalho, somos tentados a buscar na vida humana a mesma durabilidade e resistência ao longo de gerações.

Já o pensador alemão Nietzsche (1844-1900), ao discutir o "eterno retorno", isto é, uma visão cíclica do tempo e da existência, propõe o viver com todas as suas dificuldades e prazeres, sem arrependimentos, uma vez que tudo, inevitavelmente, retornará. O carvalho, nesse sentido, pode ser entendido como um ideal de perenidade com tal intensidade e vigor que se torna digna e legítima de ser repetida. No entanto, a trilhar humano não deveria ser interpretado apenas pela segurança que o carvalho imprime, tampouco somente pela vulnerabilidade da flor, mas a coexistência do temporal e do longevo, do frágil e do forte.

Ademais, Simone de Beauvoir (1908-1986), filósofa existencialista francesa, na irreparável obra A força das coisas, reflete sobre a ambiguidade da existência, onde o ser humano é ao mesmo tempo livre e limitado, transcendente e finito. Destarte, ao cuidarmos das flores, reconhecemos a exuberância do passageiro, mas ao reverenciarmos o carvalho, celebramos a potência do perene. Assistir as flores, então, não é negar a resistência do carvalho, mas entender que viver se resume tanto a acolher a vulnerabilidade quanto a resistência. Portanto, a metáfora das flores e do carvalho ilustra a vida humana na interlocução entre o fugaz e o permanente. Em poucas palavras, amparar as flores é, de certa forma, um exercício filosófico de valorização do instante, do que é fugaz e irreversível. Já contemplar o carvalho é reconhecer a aspiração por algo que nos transcenda e nos conecte a um paradigma da necessidade da resistência para seguir em diante e construir histórias inéditas.

No icônico O mito de Sísifo, Albert Camus (1913-1960), filósofo e ensaísta franco-argelino sugere que, como todas as nossas conquistas são temporárias e, eventualmente, desfeitas pela inexorável morte, o que representa, de acordo como pensador, o absurdo, deveríamos, então, regozijarmo-nos pela luta diária e encontrar alegria na própria experiência de viver, mesmo sendo finita. Dito de outra forma, podemos encontrar plenitude tanto no cultivo do que é temporário quanto na busca pelo que perdura. No fim, a vida humana, como as flores e o carvalho, exige profundo engajamento, equilíbrio e esmero. Um cuidado ímpar que reconhece o fascínio na momentaneidade e a potência na estabilidade. Ao ponderar esses dilemas da nossa existência, honrar tanto o que passa quanto o que fica, pode, assentado no ato de cuidar, iluminar o sentido da nossa vivência única e individual.

Nessa toada, o filme É assim que acaba, ao mesmo tempo que retrata a graciosidade transitória da vida, como a das flores, no que concerne aos momentos jubilosos, especialmente nos relacionamentos amorosos de Lily, igualmente representa a resistência do carvalho, necessária para romper com o relacionamento abusivo vivido por ela. “No meio de um inverno eu finalmente aprendi que havia dentro de mim um verão invencível”, emblemática máxima de Albert Camus, esclarece, de algum modo, como Lily constrói sua resistência para findar uma fase desafiadora e se encher de esperança ao a nutrir um novo terreno para o emergir de possíveis novas e vibrantes flores.

*Membro da Academia Taubateana de Letras, Francisco Estefogo é docente da Universidade de Taubaté e da FATEC-Taubaté. Também é pós-doutorando em Filosofia da Linguagem na UNIFESP e na PUCSP.

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