ARTIGO

Entre símbolos e silêncios: país contra o assédio e a violência

Por Fabrício Correia | São José dos Campos
| Tempo de leitura: 4 min
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Silvio Almeida e Anielle Franco
Silvio Almeida e Anielle Franco

As denúncias de assédio sexual e moral contra o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, atingem o coração de um governo que se comprometeu a restaurar os pilares dos direitos humanos e a igualdade de gênero após o governo Bolsonaro. As acusações, divulgadas pela ONG “Me Too Brasil”, ecoam em um cenário onde o histórico de violência e silenciamento de mulheres continua sendo uma ferida aberta no país. A gravidade do caso se intensifica quando Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial, é apontada como uma das possíveis vítimas, revelando as contradições de uma sociedade que ainda oprime suas figuras femininas, mesmo nos altos escalões do poder.

O governo Lula, desde o início de sua gestão, mostrou-se comprometido em reverter os retrocessos nas políticas femininas deixados pelo governo anterior, cujo discurso frequentemente relativizava a gravidade das questões de gênero. No entanto, o escândalo atual força uma reflexão mais profunda sobre a eficácia das ações governamentais quando figuras centrais, como Silvio Almeida, estão sob suspeita de assédio. A resposta da administração federal tem sido rápida e clara: o ministro foi convocado para prestar esclarecimentos junto à Controladoria-Geral da União (CGU) e à Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Polícia Federal também abriu investigação para apurar as denúncia.

O gesto de Janja, primeira-dama, ao publicar uma foto onde aparece beijando a testa de Anielle Franco, sem qualquer legenda, vai além das palavras. A imagem, poderosa e simbólica, mostra um pacto de solidariedade entre as mulheres do governo. Janja, que tem sido uma voz ativa na defesa dos direitos das mulheres, reforça o compromisso com suas colegas de ministério, especialmente em um momento tão delicado. Cida Gonçalves, ministra das Mulheres, também fez questão de se posicionar publicamente, assegurando que o caso será tratado com o rigor necessário.

Essas mulheres, juntas, representam a resiliência em um governo que se propôs a enfrentar as injustiças sociais, mas que agora precisa lidar com as sombras de seu próprio gabinete. A questão que emerge, no entanto, é maior do que as figuras envolvidas. As denúncias de assédio, quando associadas a um nome como o de Silvio Almeida — um homem negro, reconhecido por sua luta pelos direitos humanos e pela igualdade racial —, trazem à tona as complexas interseções de poder, gênero e raça. Almeida, em sua defesa, argumentou que as acusações são parte de uma campanha para manchar sua imagem e apagar sua trajetória como uma figura proeminente no governo. Contudo, independentemente de sua defesa, é inegável que a seriedade dessas acusações exige uma resposta transparente e imparcial.

O movimento “Me Too”, que continua a dar voz às vítimas de assédio sexual em todo o mundo, desempenha um papel vital neste momento. A organização, que divulgou as denúncias, oferece um espaço seguro para que as vítimas rompam o silêncio e busquem justiça. O impacto de suas ações no Brasil tem sido transformador, revelando que o problema do assédio é estrutural e sistêmico, permeando todos os níveis de poder. No entanto, o apoio público entre as figuras femininas do governo, por mais poderoso que seja, precisa se traduzir em mudanças concretas e práticas dentro das instituições.

A crise atual coloca em xeque não apenas a credibilidade de Almeida, mas também a própria estrutura que ainda permite que mulheres, mesmo em cargos de alta relevância, sejam alvo de abusos. A presença de figuras como Anielle Franco no governo não pode ser apenas simbólica. É preciso garantir que seu trabalho e sua história de luta sejam preservados e respeitados em um espaço seguro. O assassinato de sua irmã, Marielle Franco, ainda reverbera como uma ferida não cicatrizada na memória coletiva do Brasil. Ver Anielle em uma posição de liderança e, ao mesmo tempo, como possível vítima de assédio, reforça o quanto o caminho para a verdadeira igualdade de gênero ainda é longo e árduo.

O governo Lula, ao lidar com essas acusações, se encontra em uma encruzilhada. A resposta a essa crise não pode ser apenas uma nota pública ou uma investigação burocrática. A ação precisa ser exemplar, para mostrar que o compromisso com os direitos humanos, especialmente os das mulheres, não é uma promessa vazia. A mensagem que o Brasil precisa ouvir agora é clara: “Nenhuma mulher vítima de violência será silenciada, nem mesmo nos mais altos corredores de poder.”

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