
A astrobióloga Rebeca Gonçalves, 32 anos, tem um plano e uma meta: morar em São José dos Campos e plantar tomates em Marte.
Clique aqui para fazer parte da comunidade de OVALE no WhatsApp e receber notícias em primeira mão. E clique aqui para participar também do canal de OVALE no WhatsApp.
O primeiro ela consegue fácil, não duvide. O segundo é um pouco mais difícil, mas também não duvide, porque ela vem se dedicando à pesquisa e ao trabalho há anos a ponto de obter resultados celebrados pelo mundo científico internacional.
Rebeca é a primeira astrobióloga brasileira a trabalhar com agricultura espacial. Isso mesmo: plantar alimentos no espaço, pesquisa fundamental para os projetos espaciais de colonizar outros mundos, como na produção sustentável de alimentos em futuras colônias de Marte.
“A gente já conseguiu cultivar plantas dentro da Estação Espacial Internacional, cultivar várias espécies, incluindo alface e tomate. Tem até vídeos [de astronautas] comendo alface e tomate”, disse Rebeca.
SEM GRAVIDADE
A primeira pergunta fundamental respondida pelas pesquisas de agricultura espacial é se é possível fazer crescer planta na gravidade zero. É possível, segundo Rebeca.
Sem gravidade, a dúvida era de como cresceria a raiz das plantas, se para cima, baixo, direita ou esquerda – e aqui nada a ver com polarização política. E acabou dando certo. Disse ela: “As coisas cresceram normalmente, deram frutos e eram seguras para comer”.
Rebeca formou-se em Biologia pela Universidade de Bristol, na Inglaterra, e depois fez mestrado em Astrobiologia pela Universidade de Wageningen, na Holanda, reconhecida como a melhor universidade em estudos agrícolas do mundo.
Nascida em Santo André, no ABC paulista, ela morou 15 anos na Europa e trabalhou na ESA (Agência Espacial Europeia), no setor de comunicação para missões espaciais comerciais a bordo da Estação Espacial Internacional.
Também organizou um programa extensivo de Estudos Espaciais em parceria com a Universidade Internacional do Espaço e a Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos, além de ser palestrante do Nasa Space Apps Challenge no Brasil.
É comunicadora da ciência por meio de sua conta no Instagram, com mais de 11 mil seguidores, e dá palestras sobre ciência espacial para jovens de todo o país, especialmente em escolas públicas.
Ela participou ativamente do SSP23 (Space Studies Program), maior evento mundial de estudos espaciais que foi realizado entre 26 de junho e 25 de agosto de 2023 em São José dos Campos, pela ISU (International Space University).
Aliás, passar quatro meses na maior cidade do Vale do Paraíba a fez planejar uma mudança para São José. “Organizando esse evento me apaixonei e quero me mudar para São José”.
TOMATE EM MARTE
Rebeca lidera um grupo de pesquisadores na Universidade e Centro de Pesquisa de Wageningen, na Holanda, que conseguiu um marco notável na agricultura espacial: eles mostraram que a consorciação – prática de cultivar diferentes culturas próximas umas das outras – pode aumentar significativamente o crescimento de plantas em solo Marciano e garantir a autossustentabilidade de futuras colônias em Marte.
Segundo a cientista, a consorciação de culturas é um método ancestral de cultivo que tem sido usado desde a época dos Maias. Pela primeira vez na história, a técnica será utilizada na agricultura espacial.
Plantas com propriedades complementares serão cultivadas juntas para auxiliar umas às outras no crescimento, o que resulta em maior produção de alimentos e na otimização de recursos como água e nutrientes.
Futuras colônias em Marte terão tais recursos extremamente limitados, especialmente durante as primeiras missões, que devem acontecer dentro da próxima década, na avaliação de Rebeca.
“O uso da consorciação para economizar no uso de recursos pode ser um divisor de águas para a produção local de alimentos frescos em missões de exploração, aumentando a segurança alimentar da colônia e sua autossustentabilidade, uma característica essencial para a independência das colônias e para o futuro do assentamento humano de longo prazo em Marte”, disse ela.
O time de pesquisadores liderado por Rebeca inclui os holandeses Wieger Wamelink, especialista em estudos Marcianos, e Jochem Evers, especialista em sistemas agrícolas.
O grupo cultivou ervilhas, cenouras e tomates em um tipo de simulador de regolito Marciano – regolito é o termo técnico para um solo que não tem matéria orgânica presente, como em Marte.
Este simulador de regolito Marciano, produzido por uma equipe de pesquisadores da Nasa, é uma correspondência física e química quase perfeita com o verdadeiro regolito de Marte, usado pela própria Nasa para testar os rovers que vão para missões no planeta vermelho.
Segundo a brasileira, as três espécies cresceram “extraordinariamente bem” no regolito Marciano, produzindo mais de meio quilo de produtos frescos com apenas uma adição mínima de nutrientes, o que é bastante em termos de produção Marciana.
O grande avanço da pesquisa surgiu de o tomate obter um desempenho notavelmente melhor quando cultivado com a técnica de consorciação em comparação com o método tradicional de monocultura, com aumentos significativos tanto no tamanho quanto no rendimento total de tomates.
Isso sugere que a consorciação pode ser um método revolucionário para a produção de alimentos frescos nas colônias de Marte, ajudando na produção de mais alimentos e na otimização de preciosos recursos Marcianos.
E não só. A descoberta também sugere que a técnica pode ser aplicada para produzir alimentos na Terra, alimentando bilhões de pessoas.
“Um aspecto ainda mais impressionante desta linha de pesquisa é que toda a tecnologia desenvolvida para uma colônia autossustentável em Marte, incluindo técnicas de regeneração de solo e o desenvolvimento de sistemas fechados e autossuficientes, pode ser aplicada diretamente em benefício dos sistemas agrícolas aqui na Terra” disse Rebeca.
“Hoje, 40% das terras agrícolas do nosso planeta foram degradadas, seja por ação humana ou mudanças climáticas, afetando cerca de 1,5 bilhão de pessoas em todo o mundo.”
Ou seja, a pesquisa liderada por uma brasileira que sonha morar em São José pode revolucionar não só as futuras colônias humanas no espaço, hoje apenas fruto da ficção, mas também a produção de alimentos na Terra. Não dá para duvidar dessa cientista.