PATRIMÔNIO HISTÓRICO

Ergplan recorre ao STF contra decisão que obriga preservação da Casas Pias, em Taubaté

Decisões de primeira e segunda instâncias obrigam Prefeitura e construtora a adotarem todas as providências necessárias para a preservação e restauração do imóvel centenário

Por Julio Codazzi | 19/04/2024 | Tempo de leitura: 5 min
Taubaté

Arquivo/Preserva Taubaté

Imóvel abrigou um asilo entre 1908 e 2012
Imóvel abrigou um asilo entre 1908 e 2012

A construtora Ergplan apresentou recurso contra a decisão do Tribunal de Justiça que manteve a determinação para que a empresa e a Prefeitura de Taubaté adotem todas as providências necessárias para a preservação e restauração do imóvel centenário conhecido como Casas Pias.

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No recurso, que é endereçado ao STF (Supremo Tribunal Federal), a Ergplan alega que o tombamento foi decretado pela Prefeitura após o próprio município ter autorizado o início da obra de um empreendimento da construtora na área. A empresa argumenta ainda que não foi notificada para se manifestar durante o processo de tombamento.

A Prefeitura não apresentou recurso contra a decisão do TJ.

PROCESSO.
O processo judicial foi protocolado pela Defensoria Pública em novembro de 2012, mesmo mês em que foi editado pelo então prefeito Roberto Peixoto o primeiro decreto de tombamento da Casas Pias, que atingiu uma área de 492 metros quadrados, na qual se localiza a capela.

Em 2016, foi editado um segundo decreto, pelo então prefeito Ortiz Junior (Republicanos), que estendeu o tombamento a todo o conjunto de edificações da Casas Pias, que abrigou um asilo entre 1908 e 2012. A área preservada passou a ser de 2,2 mil metros quadrados, incluindo a antiga capela, o pátio e 16 pequenas casas remanescentes do antigo lar de idosos.

Em janeiro de 2023, na reta final do processo judicial, o prefeito José Saud (PP) editou um decreto que visava anular o decreto de 2016 – a Prefeitura considera que o decreto de 2012 havia sido revogado, de forma implícita, pelo de 2016.

SENTENÇA.
Na sentença emitida em julho de 2023, o juiz Jamil Nakad Junior, da Vara da Fazenda Pública de Taubaté, considerou irregular o decreto de Saud, pois a legislação municipal exige que todas as intervenções em imóveis tombados devem ser submetidas ao CMPPHAUAA (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Artístico, Urbanístico, Arqueológico e Arquitetônico), o que não ocorreu no caso.

O magistrado ainda discordou das alegações da Prefeitura e da Ergplan e destacou que, mesmo que a anulação do decreto de 2016 fosse considerada válida, "o dever de preservação imposto" pelo decreto de 2012 "estava intacto".

O juiz destacou ainda que o laudo pericial "atestou com clareza e objetividade que 'é de interesse histórico, artístico, arqueológico, arquitetônico e paisagístico o tombamento do conjunto arquitetônico Casas Pias de Taubaté, para salvaguardar a integridade das edificações, a memória e história do local'". Pela sentença, devem ser preservados todos os pontos abrangidos pelo decreto de 2016 - a antiga capela, o pátio e 16 pequenas casas remanescentes do antigo asilo.

RECURSOS.
Município e construtora apresentaram recursos contra a decisão de primeira instância. Em sua apelação ao TJ, a Prefeitura alegava que cabe ao município "a tutela do patrimônio cultural, arquitetônico e histórico", e que não pode haver "intervenção do Judiciário". Já a Ergplan sustentava que os decretos de tombamento do imóvel foram ilegais, pois a construtora não teria sido ouvida.

Ao votar pela rejeição dos recursos, em dezembro de 2023, o desembargador Borelli Thomaz, relator do processo na 13ª Câmara de Direito Público do TJ, apontou que os dois decretos de tombamento do imóvel, de 2012 e 2016, "foram editados após necessários debates e pareceres confeccionados pelos Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Artístico, Urbanístico, Arqueológico e Arquitetônico, evidenciando a relevância social e histórica dos bens".

O relator apontou ainda que o decreto que 2023, que visava anular o tombamento, "foi expedido sem a necessária consulta ao conselho competente" e "tampouco há qualquer demonstração de participação popular em debates pertinentes".

IMÓVEL.
A Casas Pias fica em um imóvel de 8,7 mil metros quadrados, que está situado entre as ruas Quatro de Março e Barão da Pedra Negra, na região central. Na área que nunca foi tombada, a construtora ergueu em 2013 duas torres residenciais, com 104 apartamentos e 160 vagas de garagem. Na área que foi alvo de tombamento, a empresa queria construir outras duas torres, com 160 apartamentos, além de garagem.

Na ação movida pela Defensoria, uma decisão liminar emitida em 2013 pelo Tribunal de Justiça já obrigava a Ergplan a observar uma distância de 2 metros da área da capela para a realização de qualquer atividade relacionada ao empreendimento residencial.

Em janeiro de 2023, um dia útil após o ato de Saud que visava anular o decreto de 2016, a Ergplan chegou a solicitar que a Prefeitura autorizasse a demolição do imóvel.

REVISÃO.
Em 2021, em seu primeiro ano como prefeito, Saud solicitou que o CMPPHAUAA fizesse a revisão dos processos de todos os bens tombados na cidade. Sem apresentar qualquer prova, o prefeito disse suspeitar que alguns bens tivessem sido tombados de forma indevida. Criticada por especialistas e entidades que atuam na área de preservação do patrimônio, a proposta foi engavetada pelo conselho, que alegou não possuir corpo técnico para isso.

No início de 2023, Saud passou a defender que a legislação municipal sobre o tema era inconstitucional e que iria fazer essa revisão dentro das secretarias municipais - foi com esse argumento que editou o ato que visava anular o decreto de 2016 da Casas Pias.

Na esfera municipal, são 36 bens, que foram tombados no período de 1985 a 2020, sendo 29 imóveis. Na esfera estadual, são oito os bens tombados pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico), que é subordinado à Secretaria da Cultura. Na esfera federal, são dois os bens tombados pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), vinculado ao Ministério do Turismo. O prefeito pode, por decreto, revogar apenas o tombamento municipal, mas não tem competência para alterar tombamentos feitos por Condephaat e Iphan.

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1 COMENTÁRIOS

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  • Paulo de Tarso
    24/04/2024
    Será que a PMT e o senhor Kadu Severo, proprietário da Ergplan poderiam informar onde estão os idosos que ali moravam? Com certeza nunca foram transferidos para as \"novas instalações\" construídas em área grilada no Parque Paduan cuja herdeira, dona Ivone, veio a falecer sem qualquer indenização? E o juiz da Vara da Fazenda poderia também explivar como está a Casa São Vicente de Paulo que era e é proibida negociar/vender o imóvel destinado EXCLUSIVAMENTE para abrigar idosos?