Um cartaz com informações e a foto do escritor taubateano Monteiro Lobato (1882-1948) foi pichado com a palavra “racista” no IEL (Instituto de Estudos da Linguagem), da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), em setembro do ano passado, gerando um intenso debate sobre se o autor deve ou não ser cancelado na universidade.
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Nesta quinta-feira (14), a direção do IEL promove um debate para discutir se o instituto deve ou não cancelar Monteiro Lobato, cujo acervo encontra-se no Cedae (Centro de Documentação Cultural), ligado ao IEL. O encontro ocorrerá no anfiteatro do instituto, às 14h.
Com o tema “O IEL deve cancelar Lobato?”, a mesa contará com a participação dos professores Alfredo Melo e Marcos Lopes e da coordenadora técnica do Cedae, Roberta Botelho.
EXPOSIÇÃO.
Em razão da polêmica envolvendo o assunto, que tem causado intenso debate nas redes sociais, o professor Petrilson Pinheiro, diretor do IEL, divulgou uma nota.
Ele explicou que o cartaz vandalizado de Lobato fazia parte da exposição ‘Retratos Literários’, produzida pelo Cedae e já exibida anteriormente no Centro Cultural em 2013 e 2016.
Além de Lobato, a exposição apresentava outros escritores do acervo do Cedae, como Oswald de Andrade, Bernardo Élis, Hilda Hilst, Cecília Meireles e Carlos Drummond de Andrade.
“Diante do vandalismo do quadro de Monteiro Lobato, que foi prontamente retirado do Pavilhão, o Instituto convida a comunidade a refletir sobre o rico acervo literário mantido pelo IEL e as inúmeras possibilidades críticas que a investigação do arquivo desses escritores pode gerar”, diz a nota do IEL.
“Um novo quadro informativo sobre Monteiro Lobato será instalado no Pavilhão, mas antes disso, é necessário debater os limites entre a crítica intelectualmente rigorosa à obra multifacetada de Monteiro Lobato e a intolerância representada pelo gesto de interditar o acesso à informação sobre suas obras”, afirmou Pinheiro.
OPINIÕES DIVIDIDAS.
Tanto o debate no IEL quanto a nota da direção dividiram opiniões nas redes sociais. Há quem acuse Lobato de ter defendido a eugenia em sua obra e quem propõe estudos profundos sobre o autor em todas as suas facetas, o que seria impossibilitado diante do cancelamento.
“É uma nota bem irresponsável sabendo que a comunidade do IEL já questiona Monteiro Lobato e sua permanência acadêmica desde 2004, pelo menos”, disse João Diel, formando em Letras e mestre em Educação pela Unicamp.
“Tem até rua com o nome desse eugenista no campus. O quadro ser reinstalado apenas confirma um padrão. A elite intelectual campineira sabe muito bem qual a memória que quer, e precisa, preservar”, afirmou Weslley Martins, professor de História.
ESTUDOS.
Professora de Literatura e com mestrado e doutorado em Teoria e História Literária, Milena Ribeiro Martins defendeu o estudo da obra de Monteiro Lobato, até para apontar ou não vieses racistas.
“Para que a eugenia e outras teorias raciais possam ser analisadas na obra de Monteiro Lobato e de outros do seu tempo, é preciso que acervos sejam preservados, e não cancelados”, afirmou ela em postagem no perfil do IEL no Instagram.
“Que pesquisadores sejam livres para desenvolver seus projetos. Eugenia e outras teorias raciais atravessam as obras de vários escritores brasileiros (inclusive negros). Nenhum deles deveria ir pra fogueira, nem literal, nem simbólica.”
Para Milena, a representação dos negros em Lobato é “um elemento, um passo da representação do negro na sociedade brasileira”, que segundo ela é “racista e que precisa ser estudada, compreendida, modificada, via educação não violenta”. A professora concluiu dizendo que “cancelamento e silenciamento são atos opressivos, obscurantistas, cerceadores”.
TAUBATÉ.
Professora e coordenadora do curso de História da Unitau (Universidade de Taubaté), Rachel Duarte Abdala explicou que a dimensão racista na obra de Lobato é uma discussão que emergiu há algum tempo. Para ela, é preciso levar em conta o tempo histórico em que ele viveu e a personalidade polêmica e intensa do escritor de Taubaté.
“Ele era muito polêmico e contraditório. Ele fez isso em sua carreira. Temos que entender o tempo que Monteiro Lobato vivia e que ele era uma pessoa muito intensa”, afirmou.
“A questão de que ele não gostava de Taubaté, por exemplo, era porque ele queria ver a cidade crescer, e que as pessoas conseguissem enxergar o que ele via. Ele tinha uma fala de que os jovens de Taubaté tinham que se levantar contra a maldição de virar uma cidade morta. Era uma potência que ele tinha.”
Rachel admite que Lobato era racista, como muitas pessoas em seu tempo, e que essa posição não deve ser simplificada, mas estudada dentro do contexto em que o escritor viveu.
“Ele não está mais aqui e morreu há mais de 70 anos. É outro período e momento, e não é simplesmente cancelar e jogar fora, é procurar entender. Tem que se debruçar sobre a realidade, que é complexa. Nesse caso específico da questão racista, foi assim durante séculos e ainda tem muito racismo no Brasil. As pessoas sofrem com isso”, afirmou a professora da Unitau.
“Não é simplesmente cancelar e não discutir o que se pode entender e compreender dessa sociedade complexa. Defendo a negociação política em sua dimensão mais ampla e profunda, não o cancelamento ou a polarização que divide.”
Rachel concluiu dizendo que “todo mundo fala do avô de Lobato”, o conhecido Visconde de Tremembé, que foi um rico fazendeiro e influente político. “Mas Lobato foi neto de uma negra ex-escravizada e também tinha relação com o mundo negro. Ele também fez um apagamento, mas está no sangue e não tem como negar”.
“Sabemos que há um racismo estrutural no país. Uma ideia que se compra e reproduz e que não se reflete sobre ela. Isso foi uma estrutura cristalizada durante muito tempo e é um processo de mentalidade histórica. Não é cancelar, mas discutir”, completou Rachel.
Comentários
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Celso do Lago Paiva 30/05/2024. Condenar ao ostracismo um grande escritor como Monteiro Lobato, temendo que suas idéias destruiram a psicologia frágil de leitores delicados, suscetíveis e altamente influenciáveis, revela tendências ditatoriais e centralizadoras. Monteiro Lobato nos enriquece com sua literatura cínica, erudita mas popular, provocadora e revolucionária (o que ainda o é). Leiamos Monteiro Lobato! (Celso do lago Paiva, Minas Gerais) .